Engenheiro
florestal, professor aposentado da Universidade Federal de Viçosa e
especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas
Estado de Minas: 10/06/2014
Acompanhei, com
muita atenção, algumas reportagens publicadas ultimamente pelo Estado de
Minas sobre rio São Francisco. Vi, também, a campanha que o comitê da
bacia está lançando para criar o Dia Nacional do Velho Chico. O assunto é
recorrente, mas não perde a atualidade, principalmente porque as
mudanças sofridas por ele estão mais do que aceleradas, provocando
condições novas de degradação em intervalos curtíssimos de tempo e
pedindo um novo olhar sobre os problemas que o afetam.
A maior
preocupação tem de ser com as severas quedas de vazões, originadas em
suas nascentes e em seus córregos de cabaceiras. E as vazões, ou seja,
as quantidades de água produzidas pelas nascentes e transportadas pelos
córregos num determinado período, numa visão objetiva, são resultantes
do processamento dos volumes de chuvas recebidos pelas respectivas
bacias hidrográficas. Se o processamento é eficiente, ele promove o
armazenamento de boa parte dos volumes recebidos nos aquíferos
subterrâneos, diminui as enxurradas e garante o abastecimento das
nascentes e dos córregos de cabeceiras nos meses sem chuvas. Tudo muito
simples, mas tão pouco compreendido e aplicado na prática.
Mas
como fazer com que o processamento seja bom? O princípio básico é ajudar
a infiltração, ou seja, a passagem da água da superfície para o
interior do solo, diminuindo enxurradas. Para isso, além de diminuir a
impermeabilização, é preciso segurar a água em pequenas reentrâncias,
obstáculos, caixas etc., dando tempo para a infiltração. A infiltração,
portanto, não depende exclusivamente da cobertura florestal. Há muitas
outras tecnologias disponíveis para tal. E por que não são aplicadas?
Primeiro, pela crença de que só as matas ciliares têm a capacidade de
proteger os rios; segundo, pela concentração de esperanças na
legislação; e, terceiro, pela resistência em trabalhar com produtores
rurais, em cujas terras estão a absoluta maioria das nascentes e dos
córregos que sustentam as vazões do Velho Chico.
Os produtores
rurais viraram os vilões da degradação, pois a maioria urbana (85% da
população), com o propósito de livrar a própria cara, joga sobre eles as
responsabilidades por quaisquer danos ambientais. E assim surge o
grande dilema, já que sem a cooperação dos produtores rurais não haverá
salvação para o Velho Chico.
O comitê da bacia já tem um programa
chamado de “recuperação hidroambiental”, visando atuar em 22 pequenas
bacias, em caráter demonstrativo. As metas englobam a construção de
terraços, de paliçadas e de barraginhas, a recomposição de vegetação, a
melhoria de estradas vicinais e o cercamento de nascentes. Tudo bem. Mas
há um problema de execução, pois serão contratadas empresas para
implantação das tecnologias e outras para fiscalização. E trabalhos de
conservação de aquíferos e nascentes não podem seguir a lógica dos
canteiros de obras, onde os barracões são montados, as obras executadas,
conferidas, os barracões desmontados e as empresas vão embora.
No
caso, as degradações estarão de volta se os produtores rurais não forem
envolvidos diretamente na execução e não continuarem a ser apoiados,
tanto técnica quanto financeiramente, para manutenção das estruturas
implantadas. Tudo tem de ser feito com os métodos da extensão rural,
aliando conservação com aumento de renda das famílias, e sem melindres
de repassar recursos para os produtores rurais virarem, também,
produtores de água.
E é bom não nos esquecermos que, por lei, a
água é um bem de domínio público, escasso e de valor econômico, e cuidar
dela não pode ser uma obrigação só do meio rural. Nós, urbanos, vamos
ter de pagar pelos serviços ambientais que nos serão prestados pelos
rurícolas.
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