– Boa-tarde, cavalheiro, qual é a pedida?
– O prato que eu quero não está no cardápio, mas é possível sair galinha com quiabo. Um quiabo verdinho e um angu meio mole.
– Psssssssssst! Pelo amor de Deus, não pronuncie essa palavra aqui. Nem aqui nem em lugar algum desta cidade.
– Que palavra, amigo?
– Essa, o nome da ave.
– Por quê?
– Prefiro não falar. E como o senhor está insistindo muito, peço ao senhor que deixe esta casa imediatamente. Não vamos atendê-lo.
Saiu sem delongas. Voltou ao hotel, pediu um sanduíche de filé à copa, comeu e deitou-se para descansar um pouco. Não conseguiu nem cerrar os olhos, intrigado com a fúria do garçom. Pensou em conversar com o recepcionista do hotel. Só pensou. Era melhor sair, resolver o que o levara a Muzambinho sem tocar no assunto. E assim o fez. No dia seguinte, bem cedo, pegou o carro e tomou estrada. Mas não estava satisfeito. Alguma coisa o incentivava a tirar aquela história a limpo. Parou em um boteco à beira da estrada. O dono estava ao balcão e não havia clientes. Pediu um refrigerante, um pão com linguiça e iniciou a conversa:
– Escute aqui, amigo, o que está acontecendo em Muzambinho?
– Acontecendo? Como assim?
– Quase fui expulso da cidade porque falei em galinha.
– Ah, meu caro, isso é uma história longa. Começou em 2010. Um decreto municipal proibiu a criação de penosas dentro da área urbana. A lei ficou mofando na gaveta e este ano, logo depois da Copa, o município resolveu botá-la para fora.
– Meu Deus! Por quê?
– A vigilância sanitária da cidade resolveu fazer valer a lei sob a alegação de que o mau cheiro e a proliferação de moscas incomodavam e traziam riscos à saúde.
– Mosca? Por acaso alguma mosca passa impune e serelepe diante do bico de uma galinha?
– Pois é! Botaram a culpa nas galinhas, quando o certo seria desenvolver uma política sanitária eficiente. O povo teve prazo até 16 de outubro passado (na verdade o próximo) para se desfazer das aves. Um deus nos acuda na cidade. É como naquela história do homem que pegou a mulher com o amante no sofá da sala e vendeu o sofá.
– E quem não se desfizesse da criação?
– Pagaria multa. E muita gente pagou. Precisava ver, moço, a confusão. Tinha galinha com 15, 20 anos de casa, mãe de dezenas de ninhadas, apegada à dona, que teve de ser descartada. Viu aquele filme A fuga das galinhas? Como nem todos conseguiram vender as aves a tempo, teve galinha fugindo na calada da noite até com pintinhos sob a asa para não ser decapitada. A população está revoltada. Acabou aquela comodidade do ovinho fresco caipira, do franguinho assado aos domingos, com tutu e arroz de forno…
– Pombo pode, pardal pode, galinha não?
– Sim! Acabou. Até as hortas verdinhas, estercadas pelas galinhas, secaram.
– Que coisa! Deixo aqui, por seu intermédio, minha solidariedade ao povo de Muzambinho.
Comentário do Negão: Todo mundo preocupado com a volta do Dunga à Seleção. Bobagem! Isso não muda em nada a sua, a minha, a nossa vida. Vocês precisam ficar de olho é na galera que vai voltar às cadeiras legislativas em outubro. Vade retro!
Sugestão do Negão: Não deixem de ler amanhã neste caderno a história de Hilda Furacão. A verdadeira, não a personagem da ficção de Roberto Drummond e da minissérie. O repórter Ivan Drummond a encontrou solitária em um asilo e traz à tona o que resta de memória na mulher que curtiu uma vida de luxo, glamour e de miséria ao lado do marido, o craque de futebol Paulo Valentim, que morreu em 1984.
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