CARLOS HERCULANO LOPES »
Anotações para uma história
Estado de Minas: 29/08/2014
Não poderia esquecer de escrever sobre os rapazes norte-americanos que almoçavam no restaurante de um hotel da zona sul de São Paulo, onde também o homem esteve hospedado. Deviam ser uns 20. Eram muito novos, tinham cabelos bem curtos, cortados ao estilo militar, e havia um detalhe que o impressionou: todos, sem exceção, usavam pernas mecânicas.
Mas havia um deles, sem as duas pernas e com cara de latino, que se movia em uma cadeira de rodas e parecia ser o líder da turma pela maneira como se dirigia aos demais. “O que teria ocorrido com aqueles moços? Seriam soldados que serviram no Afeganistão, onde talvez tenham pisado em minas e ficaram assim?”, o homem divagou, enquanto, sem perceber, olhava para si próprio.
Para, em seguida, ainda com a caderneta na mão, na qual ia fazendo anotações, voltar o olhar para um garoto, que aos gritos corria entre as mesas do restaurante, como se fosse o senhor do mundo. A cada volta dada (algumas ao redor dos prováveis soldados), parava em frente a uma mulher, que estava tomando café: olhava para ela, sorria e retomava a brincadeira, sem que essa lhe desse a mínima atenção.
Até que um dos garçons, pois é possível que o menino estivesse incomodando uns clientes, foi até a mesa de sua mãe (seria?), e disse alguma coisa. Esta se levantou irritada, pegou o guri pelo braço, e o fez se sentar ao seu lado. No mesmo instante, como se fizesse parte da rotina, ele começou a chorar.
Enquanto isso, um daqueles rapazes, talvez soldado, que quem sabe tinha perdido a perna no deserto do Afeganistão durante uma patrulha, comia um prato de saladas e tomava refrigerante. Tinha o olhar perdido, e respondeu com poucas palavras, mas aprovando com a cabeça, quando um colega, na mesma condição que a sua, chegou a seu ouvido e falou alguma coisa. Na mesma hora ele se voltou para o menino, que continuava ao lado da mãe, sorriu para ele e, como resposta, veio um breve balançar de mãos.
Naquele instante, sem deixar a caderneta, na qual ia anotando tudo, a atenção do homem se voltou para o teto do restaurante, que era transparente, e estava sendo limpo por três homens, cada um com uma escova. Jogavam água, esfregavam com força, e recolhiam, conforme ele registrou, garrafas PETs, maços de cigarros, lenços de papel, restos de comida e outras coisas que os hóspedes jogaram. Três dos rapazes – vá se saber se eram soldados norte-americanos que tinham vindo a São Paulo – também olharam para cima.
Foi aí que o menino, que até então continuava sentado ao lado da mulher, que talvez fosse sua mãe, levantou-se e, num impulso, saiu correndo em direção ao rapaz louro, que tinha lhe sorrido. Quando se viu de frente a ele, parou de repente, como se tivesse assustado. O outro, meio sem jeito, afagou-lhe a cabeça.
Como se retribuindo, ou por pura curiosidade, aquele garoto, já mais à vontade, começou a passar a mão na perna mecânica do possível soldado, que pediu a um colega que fizesse uma foto dos dois. De sua mesa, a poucos metros dali, o homem, que sem perceber voltou a olhar para si próprio, continuava a anotar, na expectativa de que essa história, testemunhada por ele, um dia pudesse ser contada.
Estado de Minas: 29/08/2014
Não poderia esquecer de escrever sobre os rapazes norte-americanos que almoçavam no restaurante de um hotel da zona sul de São Paulo, onde também o homem esteve hospedado. Deviam ser uns 20. Eram muito novos, tinham cabelos bem curtos, cortados ao estilo militar, e havia um detalhe que o impressionou: todos, sem exceção, usavam pernas mecânicas.
Mas havia um deles, sem as duas pernas e com cara de latino, que se movia em uma cadeira de rodas e parecia ser o líder da turma pela maneira como se dirigia aos demais. “O que teria ocorrido com aqueles moços? Seriam soldados que serviram no Afeganistão, onde talvez tenham pisado em minas e ficaram assim?”, o homem divagou, enquanto, sem perceber, olhava para si próprio.
Para, em seguida, ainda com a caderneta na mão, na qual ia fazendo anotações, voltar o olhar para um garoto, que aos gritos corria entre as mesas do restaurante, como se fosse o senhor do mundo. A cada volta dada (algumas ao redor dos prováveis soldados), parava em frente a uma mulher, que estava tomando café: olhava para ela, sorria e retomava a brincadeira, sem que essa lhe desse a mínima atenção.
Até que um dos garçons, pois é possível que o menino estivesse incomodando uns clientes, foi até a mesa de sua mãe (seria?), e disse alguma coisa. Esta se levantou irritada, pegou o guri pelo braço, e o fez se sentar ao seu lado. No mesmo instante, como se fizesse parte da rotina, ele começou a chorar.
Enquanto isso, um daqueles rapazes, talvez soldado, que quem sabe tinha perdido a perna no deserto do Afeganistão durante uma patrulha, comia um prato de saladas e tomava refrigerante. Tinha o olhar perdido, e respondeu com poucas palavras, mas aprovando com a cabeça, quando um colega, na mesma condição que a sua, chegou a seu ouvido e falou alguma coisa. Na mesma hora ele se voltou para o menino, que continuava ao lado da mãe, sorriu para ele e, como resposta, veio um breve balançar de mãos.
Naquele instante, sem deixar a caderneta, na qual ia anotando tudo, a atenção do homem se voltou para o teto do restaurante, que era transparente, e estava sendo limpo por três homens, cada um com uma escova. Jogavam água, esfregavam com força, e recolhiam, conforme ele registrou, garrafas PETs, maços de cigarros, lenços de papel, restos de comida e outras coisas que os hóspedes jogaram. Três dos rapazes – vá se saber se eram soldados norte-americanos que tinham vindo a São Paulo – também olharam para cima.
Foi aí que o menino, que até então continuava sentado ao lado da mulher, que talvez fosse sua mãe, levantou-se e, num impulso, saiu correndo em direção ao rapaz louro, que tinha lhe sorrido. Quando se viu de frente a ele, parou de repente, como se tivesse assustado. O outro, meio sem jeito, afagou-lhe a cabeça.
Como se retribuindo, ou por pura curiosidade, aquele garoto, já mais à vontade, começou a passar a mão na perna mecânica do possível soldado, que pediu a um colega que fizesse uma foto dos dois. De sua mesa, a poucos metros dali, o homem, que sem perceber voltou a olhar para si próprio, continuava a anotar, na expectativa de que essa história, testemunhada por ele, um dia pudesse ser contada.
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