sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Carlos Herculano Lopes - Fora de combate‏

Fora de combate
Livrar-se daquela gripe o mais rápido possível era a única coisa que ele queria 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 08/08/2014




De uma hora para outra, aquele homem, que quase nunca adoecia, se viu deitado no sofá, completamente prostrado, sem vontade de fazer nada. O corpo todo doía, a tosse vinha em intervalos e o nariz não parava de escorrer. Daquela vez, a gripe, como uma amante inesperada, dessas que chegam sem aviso, o havia tomado em seus braços. Se bem se lembrava, a única vez que tinha ficado assim, fora de combate, foi nos distantes dias da infância, quando seus pais, com medo de que ele morresse, o trouxeram às pressas para Belo Horizonte, onde acabou ficando internado num hospital cujo nome se esqueceu.

Livrar-se daquela gripe o mais rápido possível era a única coisa que ele queria. Nem é preciso dizer que a vontade de comer, como num passe de mágica, desapareceu. Assim como o desejo de ler um bom livro, que poderia ser aliado para aqueles dias de repouso absoluto, como o médico tinha recomendado. Ouvir música, que talvez ajudasse a passar o tempo, também ficou fora de questão. A única maneira de se distrair um pouco, passou pela sua cabeça, seria apelar para a televisão, que estava à sua frente.

“Seu peito está carregado, a resistência anda baixa e com esse tempo frio não dá para brincar. Além do mais, meu amigo, não somos crianças.” O doutor, que era seu velho conhecido, ainda dos tempos do colégio, tinha lhe dito com um sorriso cúmplice enquanto prescrevia os remédios que deveria usar.

E mais: “Você já pensou em tomar a vacina? Acho que poderia ser uma boa. Tomei minha dose e não estou arrependido”. Depois, o médico o levou até à porta do consultório e, antes de se despedirem, o alertou sobre o cuidado com a alimentação e para tomar água, muita água. Também lembrou-o do encontro dos ex-colegas, marcado para outubro, numa pizzaria do Gutierrez.

Com todas essas recomendações e sabendo que teria de enfrentar alguns dias de repouso antes de poder voltar à luta, o homem se viu ali, deitado no sofá, sem ter nada para fazer a não ser esperar. A mulher, que havia feito suas as palavras do médico, tinha ido para o trabalho, do qual só voltaria à noite. “Se cuide, meu amor. Quer que eu traga alguma coisa?”, ainda disse, depois de lhe dar um beijo, pegar a bolsa e sair. Então, naquela casa, fora o barulho da geladeira, tudo ficou em silêncio.

E foi assim que o homem, completamente só, começou a enfrentar aquele primeiro dia de recolhimento, como já não se lembrava de ter acontecido outra vez. Nas horas marcadas, tomava os remédios. Para passar o tempo, sem nenhuma vontade, às vezes ligava a televisão ou insistia em ler alguma coisa. Só à primeira página de um romance, com trama que se passa no Deserto de Atacama, voltou várias vezes. Quando se viu mais disposto, chegou a responder mensagens de e-mails, ou no Facebook. Atendeu a um ou outro telefonema, quase sempre de gente querendo vender alguma coisa ou pedindo dinheiro.

Mas, principalmente – e essa foi a maior lição que ficou daqueles dias em que esteve fora de combate –, o homem teve tempo de sobra para refletir sobre a fragilidade da vida, a necessidade de cuidar da saúde e de estar mais perto das pessoas que se ama, pois sem elas nada faz sentido. Como o resto não passa de orgulho tolo e vaidade, decidiu também, pois já caminha para o entardecer, que vai tomar a vacina.

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