quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O mundo se encontra na cozinha - Marcos Luiz

O mundo se encontra na cozinha

Marcos Luiz
Chef de cozinha
Estado de Minas: 14/08/2014


A gastronomia é uma das áreas que mais possibilita miscelânea cultural, social, econômica e étnica. Não há maior democracia que a mesa. A integração do melhor de cada lugar, região ou país transforma a culinária em algo ainda mais criativo e, claro, delicioso. Aliar fatores globais é um hábito nas cozinhas de Minas, considerada uma das mais ricas e completas, ainda que isso seja feito de maneira despretensiosa e não intencional. A compreensão da gastronomia como um elemento conectivo é fundamental para entender as peculiaridades regionais e transformar essas diferenças em itens de impulsão e desenvolvimento comunitário. É válido frisar que gastronomia não se restringe aos renomados chefs europeus e, muito menos, à comida. Gastronomia engloba os hábitos de cada família, a relação que cada pessoa tem com o gesto de se alimentar e a oferta de produtos em cada região. Assim como as carnes de caça estão para os espanhóis e para os países colonizados por esse povo, o saudável e criativo hábito de reaproveitar os alimentos está para os brasileiros. Feijoada, rabada e cozidos são alguns exemplos. Não há nenhum demérito nisso. Se, por um lado, as cortes europeias eram marcadas pelos banquetes, por outro, parte dos primeiros brasileiros aprendeu desde cedo o valor de cada alimento, uma vez que os costumes foram adaptados à distância geográfica dos demais continentes e à proximidade com os trópicos. As formas alternativas de uso evoluíram com o tempo e, hoje, são consideradas tipo exportação. 

Em um país de dimensões continentais há ainda as contribuições indígenas, farroupilhas e, claro, portuguesas, cada uma desempenhando igualitariamente papel fundamental na construção cultural de nossas cozinhas. As influências de clima e relevo também colaboraram para que essa identidade fosse desenvolvida. Em terra em que se plantando tudo dá, não há como negar as particularidades de cada território gastronômico. No Norte, vemos o uso abundante de receitas unindo os peixes de água doce e raízes; no Nordeste, há prevalência dos alimentos ligados ao mar; no Sul, têm-se hábitos herdados dos hermanos, como a parrilla; e no Centro-Oeste, há influência pantaneira. A rica mistura de todos os elementos no Sudeste é apenas uma pequena amostra disso. Em Minas, ressaltam-se os tradicionais fogões a lenha e a hospitalidade característica. Vale o recado para os desavisados: não há ofensa maior do que rejeitar um café com pão de queijo.

Como se não bastasse, há espaço ainda para as contribuições mundiais. O intercâmbio gastronômico entre países revela a flexibilidade dos paladares e deixa espaço para a criatividade. Se a Ásia nos presenteou com a cana-de-açúcar, por que não transformar o que era só para alimento animal em uma fonte de renda por meio da fabricação de combustível, e claro, das transformações em melado, caldo, rapadura e aguardente? Ainda há espaço para o artesanato do bagaço, para a fabricação de maquinário necessário à coleta do produto e para as pesquisas de desenvolvimento de espécies mais adequadas ao clima tropical. 

Gastronomia vai além da mesa. Não se restringe às cozinhas e nem à hora da fome. Até a culinária mais simples é artigo de luxo e deve ser encarada como apenas uma faceta das realidades sociais. A compreensão desse processo significa colaborar para o amadurecimento intelectual do setor e, claro, se deliciar com muito mais informação, nos pratos e na memória.

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