ZERO HORA 16/11/2014
Sempre
me considerei uma mulher adaptável. Me convide para um baile na corte ou um
churrasco na laje, e me sentirei em casa pelo simples fato de estar bem
assentada em mim. O que vier eu destrincho, desdobro.
Isso
até outro dia, quando voltei a frequentar a única espécie de roda que me faz
tremer na base: a dos festivais literários. No início correu tudo bem,
conversei com colegas que conhecia de vista ou de nome, rimos muito, viramos
uma turma, mas houve um momento em que os astros deram uma pirueta nos céus e
desconfiguraram a cena: sem entender como, fui parar numa mesa de restaurante
com três figurões da literatura com quem nunca havia interagido antes. Calma,
qual o espanto? É só participar do papo, você já fez isso mil vezes.
Aí é
que está. O papo foi sobre as variadas vertentes do judaísmo. A filosofia alemã
do século 18. Os mais influentes documentários políticos da história. As
consequências da xenofobia francesa para a economia. Quando escutei um deles
declarar furioso “Nem arrastado eu moraria em Paris”, pedi licença, me levantei
e fui ao encontro de uma blogueira divertida que amaria estudar em Paris, casar
em Paris, ser infeliz em Paris.
Há gente
que vive de escrever e há os escritores mesmo. Aqueles da mesa eram escritores
mesmo. Alto padrão intelectual. Colecionadores de prêmios. Catedráticos
viajados, virtuoses da língua, candidatos fortíssimos à Academia Brasileira de
Letras. Eu? Uma penetra. Mesmo.
Esse
episódio me fez lembrar uma conversa que tive com um amigo da adolescência que
convive comigo desde sempre, sabe a gaiata que sou, e que me disse que muita
gente que não me conhece pensa que, se me levar a um restaurante, vai ter que
enfrentar essa mesma discussão filosófico-cultural. Dei risada. Ele me olhou
bem sério e disse que não era brincadeira: escritores assustam, ele garantiu. Quase
chorando, perguntei: isso significa que estou ferrada? Ele me abraçou e disse: está,
amiga. Se quiser sair e namorar, entre no Facebook e procure a turma da praia,
do colégio, do clube, do bairro, aqueles que conviveram com você antes de você ter
dado certo.
Fiquei
tão desolada que ele me pagou outra cerveja.
Era
machista sua avaliação, mas, quando me vi cercada pelo grupo erudito, entendi. Se
aquela era a imagem que se fazia dos escritores, coitados de nós. Estávamos em
maus lençóis. Quem se aproximasse acreditaria estar condenado a debates e
palestras até durante o bem-bom.
Há os
escritores mesmo, cuja sabedoria sobressai desde o aperitivo até a sobremesa (e
têm todo o meu respeito), e há aqueles que apenas tiveram o privilégio de
publicar seus textos e que dão pitacos sobre cultura pop, cinema, viagens,
televisão, futebol, encrencas, roubadas, amores, alegrias, assumindo o
mundanismo que os constitui. Não sou uma escritora mesmo. Não sou nada que mereça
o “mesmo” como reforço. Meio baile na corte, meio churrasco na laje. Mesmo,
mesmo, bem intencionada – e só.
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