A reforma política proposta por Michel Temer, bem diferente da petista, tem consistência e merece ser mais discutida
O vice-presidente Michel Temer defende uma reforma política que
nada tem a ver com a proposta pelo partido da presidente Dilma
Rousseff. O contraste dos dois projetos comprova a fragilidade do
casamento de conveniência entre PT e PMDB.
Mas Temer é veterano na política e professor de Direito Constitucional num dos melhores cursos jurídicos do país, a PUC de São Paulo - e sua proposta é consistente. Examinemos seus pontos principais. Ponto zero: o que têm em comum propostas de reforma tão diferentes como a do PT, a do PSDB e a de Temer? Que o sujeito oculto de todas elas é a eleição dos deputados federais. Se esse tema passa à frente das eleições para o Executivo e o Senado, ou para legisladores estaduais e municipais, é porque cremos que nele está a causa da corrupção nacional. PT e PSDB afirmam isso explicitamente em suas propostas. Temer, porém, mal tocou no tema da corrupção, quando segunda-feira passada expôs sua proposta, a convite dos presidentes Paulo Skaf e Ruy Altenfelder, no Conselho de Estudos Superiores da Fiesp, do qual sou membro. A maior parte dos analistas pensa, porém, que o sistema atual - voto proporcional com lista aberta - gera um excesso de partidos, fazendo a maioria no Congresso depender de negociações que não raro viram negociatas. Daí, a ligação entre o financiamento das campanhas e o modo de eleição dos deputados. Primeiro ponto da reforma Temer: eliminar o voto proporcional para a Câmara, mas sem adotar o distrital, preferido pelo PSDB. Cada Estado seria um "distritão", elegendo-se os candidatos mais votados, independentemente do partido. Assim se elimina a coligação nas eleições para deputado e se reduz o número de partidos com assento na Câmara. Isso não enfraquecerá os partidos, quebrando as tentativas de institucionalizar e disciplinar a vida parlamentar? Não, diz Temer - se enrijecermos a fidelidade, o que ele recomenda. Nenhum partido terá interesse em lançar os 150% de candidatos (em relação às vagas) da legislação atual. Hoje, em São Paulo cada agremiação pode ter 105 candidatos, dado que a bancada do Estado tem 70 membros. (A ideia é que qualquer partido poderia fazer sozinho a bancada inteira, mais seus suplentes) Na proposta Temer, cada partido quererá inscrever concorrentes em número próximo ao das cadeiras que espera obter, para concentrar - em vez de dispersar - os votos. A pulverização entre candidatos prejudicaria a legenda. Esse é o melhor argumento do distritão: responsabiliza os partidos e reduz seu número. Nem precisa haver cláusula de desempenho. Mais que isso: com o PMDB lançando menos de 15 candidatos em São Paulo, em vez dos 105 de hoje, cada candidato poderá realmente usar o horário gratuito para dizer suas propostas. Esse será um avanço sensível sobre o atual modo de campanha Mas não vamos esquecer que o voto proporcional tem a grande vantagem de assegurar que os eleitos representem as ideias ou convicções do eleitorado. É o que dá o retrato mais fiel da população. (É verdade que a multiplicação de partidos tornou difícil realizar isso na prática. Se mantivermos o proporcional, precisaremos de uma cláusula de desempenho severa) Ponto dois: o financiamento de campanhas. Temer defende o financiamento público e privado, inclusive por empresas. Quer, porém, proibir que uma empresa ou holding financie rivais que concorrem ao mesmo cargo - como fez a Friboi, em 2014. Mas o curioso é que não mencionou a ação que corre no STF para proibir o financiamento eleitoral por empresas. A maior parte dos ministros já votou pela proibição. O assunto parece decidido, de todo modo, embora Gilmar Mendes, que pediu vistas, esteja adiando a proclamação do resultado. A proponente da ação de inconstitucionalidade, a OAB, sustenta que só pessoas físicas são eleitoras, não as pessoas jurídicas, e que não-eleitores não devem interferir no processo de escolha política pelo povo. Nestas condições, só posso imaginar que Temer queira, por emenda constitucional, restaurar a contribuição das empresas. Ponto três: coincidência de mandatos. Temer pensa que temos eleições demais (cada dois anos), por isso propõe a coincidência: federais, estaduais e municipais numa só ocasião. Perguntei-lhe o seguinte: no modo atual, em que votamos a um só tempo para presidente, governador, senador e deputados, a escolha presidencial joga em segundo plano as legislativas, em especial as de deputado. Em 2014, a veemência da eleição ao Planalto obscureceu até as eleições de governador. Então, se pusermos no mesmo pacote as municipais, correremos o risco de só votar com atenção para um ou dois cargos, de um total de quase dez? Temer foi muito educado, mas insistiu em que o problema já existe. Concordo. Mas sua proposta o agrava. Eleições têm um papel pedagógico e politizador, que se perde caso fiquem mais espaçadas no tempo. Este, aliás, me parece o grande argumento em favor de eleições separadas: que o cidadão tenha mais ocasiões de punir ou premiar os partidos conforme seu desempenho no governo, de qualquer esfera. Em geral, mais eleições, melhor representação, mais participação, mais democracia (dentro, claro, de limites razoáveis). Ponto quarto: o timing. Segundo Temer, a reforma tem que ser votada este ano, se não, não será apreciada nesta legislatura, mas só em 2019. E faz a sugestão original e inteligente de que seja aprovada para vigorar daqui a oito anos (na verdade, a partir de 2022), evitando que interesses de curto prazo façam parlamentares se opor a ela. Dessa maneira, todos podem se adaptar à reforma. Aqui tem toda a razão. |
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