domingo, 1 de fevereiro de 2015

Os prestativos - Martha Medeiros

O Globo 01/02/2015

“Você comenta que esqueceu a caneta num prédio comercial, eles já estão subornando o porteiro em pleno domingo para resgatar sua Bic”

Eles chegam a ser constrangedores em sua infinita bondade: você comenta que está com saudade do sabor de um determinado cupcake, eles já estão tirando o carro da garagem para atravessar a cidade em busca do seu objeto do desejo. Você comenta que esqueceu sua caneta num prédio comercial, eles já estão subornando o porteiro em pleno domingo para resgatar a sua Bic. Você comenta que o chuveiro está pingando, e em menos de dez segundos eles estão com uma chave de fenda na mão, mesmo sem saber o que um chuveiro e uma chave de fenda têm a ver um com o outro. São os Super Prestativos, aqueles que leem pensamentos, que não esperam você falar duas vezes, que resolvem todos os seus pepinos quando você estava apenas pensando alto. Para o Super Prestativo, tudo é caso de vida ou morte.

    Será que essa abnegação compulsiva demonstra que há um anjo a seu lado? Não aposto muito nisso. Costumo desconfiar de quem ultrapassa os limites do bom senso. Fico de pé atrás com essas criaturas solícitas num grau exagerado, desapegadas do próprio tempo, do próprio conforto, do próprio descanso, tudo para atender pedidos que nem chegaram a ser feitos. Essas pessoas estão sempre fazendo por você o que você, por mais que as adore, não faria por elas. Não estou falando de favores pontuais: todos nós sabemos a hora de sermos gentis e delicados com quem precisa. Estou falando de trivialidades desnecessárias. Se formos investigar a alma desses supergenerosos que mais parecem o gênio da lâmpada, talvez venhamos a descobrir que eles não são tão generosos assim, são apenas carentes patológicos. Suas irritantes boas ações são uma forma de implorar: goste de mim. Goste muito de mim. Goste alucinadamente de mim.

 E a gente gosta, claro. E tenta recompensá-los. Só que não consegue, é impossível ficar quite com os mestres da cortesia. Eles sempre farão algo ainda mais grandioso por você, atacarão com um préstimo ainda maior. Então você desiste, e eles, vitoriosos, confirmarão: viu? Gosto muito mais de você do que você de mim. E se consagrarão como os mártires do universo, que sempre foi a sua real intenção.

Generoso, mesmo, é quem te enxerga, escuta, apoia, elogia, entende o que você está sentindo, propõe alternativas para você se safar das suas angústias, é bom parceiro.

Generoso é quem não espera que o outro se ajoelhe em agradecimento, é quem não usa a dedicação como moeda de troca: “Fiz isso por você, agora se desdobre por mim.” Nada disso: generoso é aquele que nem percebe a grandeza do que está fazendo, porque é da sua natureza pensar no outro visando o bem, sem contabilizar o que poderá lucrar com isso.


  O prestativo é um querido, mas não é generoso: é apenas útil. E se for prestativo demais, pode inclusive se tornar um chato.
 

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