domingo, 22 de março de 2015

A idade da razão

A balada de Adam Henry, romance do britânico Ian McEwan, mostra os dilemas de uma juíza e reflete sobre o envelhecer, a fé e a razão do homem contemporâneo


Nahima Maciel
Estado de Minas: 21/03/2015



Ian McEwan consultou magistrados aposentados antes de escrever seu novo romance (Nir Elias/Reuters)
Ian McEwan consultou magistrados aposentados antes de escrever seu novo romance


Ian McEwan primeiro pensou A balada de Adam Henry como uma novela de 40 mil palavras. Foi um pouco além, mas não se pode dizer que o novo romance do escritor britânico não seja uma novela. Lê-se rápido, de um fôlego (o mesmo que impede pausas em Amor sem fim e Desejo e reparação), a história da juíza que precisa decidir sobre o destino de um adolescente. O livro é também sobre o envelhecimento, a idade, a fé e como a razão não é um porto seguro.

Fiona Maye é uma juíza de pouco mais de 50 anos, extremamente comprometida com o trabalho, em crise no casamento com Jack e no auge da atuação profissional. Entre casos corriqueiros de divórcios, guarda de filhos e heranças, ela precisa decidir se Adam, de 17, testemunha de Jeová, é capaz de optar sozinho por não receber a transfusão de sangue que irá salvá-lo no tratamento de uma leucemia.

McEwan apresenta ao leitor uma personagem cujas certezas podem não repousar em sólida convicção, supostamente natural para uma mulher da idade e projeção profissional de Fiona. Ela é brilhante ao redigir suas sentenças e tomar decisões, mas a base sobre a qual o faz não está tão enraizada assim. O casamento atingiu o estágio da apatia e Jack quer uma reação da mulher, que se fecha diante da ameaça de um caso extraconjugal. Na corte, a juíza ultrapassa as fronteiras da toga ao estabelecer com Adam uma relação para além do tribunal, mas mantém certa frieza, nem sempre penetrável.

McEwan afrouxa a corda ao mesmo tempo em que a retém. Não há nada de moralmente questionável em Fiona, que carrega características capazes de confundi-la com o alterego do próprio autor. Como McEwan, a juíza é aficcionada por música clássica, mas, ao contrário de seu criador, é capaz de reproduzi-la (com alguma competência profissional) ao piano. Também é muito culta e traz da erudição o conhecimento que sustenta suas sentenças.

REFLEXÕES O envelhecimento é tema de reflexão constante – e McEwan, de 66, já deu sinais de que pretende trazer a velhice para a sua escrita. Em um belo e sincero trecho, Fiona reflete sobre seu relacionamento e a proximidade dos 60: “E também havia a idade. Não a deterioração total, ainda não, mas seus primeiros indícios começavam a transparecer, assim como sob determinada luz é possível vislumbrar o adulto no rosto de um menino de 10 anos”.

A dinâmica dos tribunais ocupa a cabeça do autor britânico há algum tempo. Uma das vantagens de envelhecer, disse ele durante a divulgação do novo livro no Reino Unido, é poder se cercar de juízes aposentados e compreender os bastidores da profissão. A balada de Adam Henry é inspirado em um caso narrado pelo amigo, o ex-juiz sir Alan Ward. “Amo profissões. Sempre gostei de pesquisar e adoro as especialidades das pessoas. É por isso que gosto de sets de filmes. As pessoas adoram falar sobre seus trabalhos”, declarou ele ao The Guardian.

Admirador confesso do cinema, McEwan não hesita em trazer para seus romances a ideia de um clímax longamente arquitetado durante a narrativa. Difícil esquecer a surpresa final de Desejo e reparação. Impossível ignorar o fato de que Fiona conduz o leitor para uma espécie de tragédia desconcertante.


A BALADA DE ADAM HENRY

De Ian McEwan

Companhia das Letras

196 páginas, R$ 37,90  

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