O Globo 29/03/2015
“Com tantas
solicitações, compromissos, projetos, alternativas e interferências,
sobrará tempo para se dedicar a um envolvimento profundo?”
Homens e mulheres têm se deslocado cada vez mais, seja a trabalho,
estudo ou aventura. Mesmo quando enfurnados em casa, não param de se
comunicar com nativos de outras cidades e de outros países através das
redes sociais. Logo, é natural o incremento de parcerias amorosas entre
pessoas que residem a quilômetros umas das outras. O par protagonista do
filme “Ponte aérea”, que acaba de estrear, é só mais um entre tantos.
Ela, interpretada por Letícia Colin, mora em São Paulo, e ele, vivido
por Caio Blat, no Rio. Considerando o tamanho do planeta, praticamente
vivem a uma esquina de distância.
Afinal, com tantas solicitações, compromissos, projetos, alternativas e interferências, sobrará tempo para se dedicar a um envolvimento profundo?
Não sei se esta é uma questão só dos jovens. Hoje, entre os avulsos de todas as idades, existe o mesmo pé atrás. Os solteiros que nunca foram casados antipatizam com a ideia de se amarrar a alguém sem antes fazer um test drive em todas as outras opções possíveis — o que levaria umas três vidas, por baixo. E os solteiros que já passaram por uma ou duas uniões estáveis e já viveram seu “eterno enquanto dure” não morrem de amor pela ideia de ter que voltar a prestar contas, negociar, conceder, programar, comprometer-se.
Virou exagero se doar. A ordem agora é se emprestar. Toma aí um pouquinho de mim, mas me devolve.
Resultado? Um sem número de relacionamentos à distância. Os dois
sentados à mesma mesa, mas cada um teclando seu smartphone. Os dois
saindo de férias, mas cada um para um destino diferente. Os dois com
problemas, mas sem disposição para conversar a respeito, já que a ordem é
pegar leve. Os dois com muitos planos, mas sem nenhuma intenção de
abrir mão do seu sonho em função do sonho do outro. Os dois com dúvidas,
mas sem reparti-las para não ter que se explicar muito. Os dois juntos,
mas não por inteiro, que nada mais é inteiro, tudo é fragmentado.
É uma
contingência dos novos tempos, o que não impede que a relação evolua.
Que deixe de ser um namorico, uma ficada, um rolo, um lance, um caso,
uma pegação, uma historinha para, aleluia, virar amor. E amor a gente
não empresta, entrega de bandeja. Distância? Que distância? Não importa
onde estivermos, será suprimida por uma palavra que não é moderna nem
antiga e que sempre nos unificará: vínculo.
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