domingo, 29 de março de 2015

EM DIA COM A PSICANáLISE » A pulsão de morte Tendemos a cristalizar hábitos e pagamos caro por isso

EM DIA COM A PSICANáLISE » A pulsão de morte Tendemos a cristalizar hábitos e pagamos caro por isso


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 29/03/2015 



É preciso mudar sempre que as coisas vão de encontro a nossos interesses. Quando não estamos felizes. Quando perdemos o sono à noite e, preocupados, passamos a resolver mentalmente pequenos ou grandes problemas com os quais ainda não conseguimos romper. Ou que não enfrentamos à luz do dia. Tendemos a repetir padrões aprendidos na célula familiar, e os repetimos a vida toda sem pensar se refletem aquilo que desejamos ou se atendem ao tipo de vida que queremos. Raul Seixas cantou: prefiro ser uma metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Tendemos a certo engessamento de hábitos. Até maus hábitos são difíceis de abandonar. E como!!! Aceitar o sintoma e defendê-lo com unhas e dentes é um gozo indigesto ao qual o sujeito se apega e, frequentemente, pretende fazer o outro engolir...

Tendemos a cristalizar hábitos e pagamos caro por isso. Numa família, por exemplo, podemos ver como pais abusivos, por seus problemas particulares e de casal, ensinam aos filhos a submissão, o respeito irrestrito, a honestidade inquestionável, a bondade demasiada. Uma falsa moral alienante, um tipo de cegueira, uma ingenuidade que embaça a verdade sobre a própria incapacidade deles como educadores tomados pelos próprios problemas.

O que será da criança assim doutrinada é coisa que os pais talvez não alcancem devido a suas dificuldades pessoais, possivelmente recobertas pelo narcisismo. Provavelmente, os filhos se tornarão infantilizados e indefesos para lidar com seus próprios interesses por vergonha de serem julgados egoístas e mesquinhos. Sacrificados pelo bem dos pais, entendem o bem como dedicação ao outro. Tentarão a vida toda salvar esses pais amados. Passarão a existência atendendo a interesses alheios sem questionar os rumos da própria vida, além de favorecer terceiros, que, mais espertos e focados em si próprios, vão nadar de braçada. Repetir padrões, então, torna-se uma prática indesejável. É preciso quebrar as regras aprendidas para assumir desejos – e isso nenhum de nós conseguiria sem um pouco de egoísmo.
É fácil? Não. A cada vez que o sujeito age em benefício próprio, estaria “supostamente” traindo os preceitos sagrados da família de origem. Estaria, desculpe se exagero, desonrando pai e mãe. A questão é que, adultos, precisamos rever nossos sistemas – uma reforma imprescindível. Não é traição reconhecer que o melhor não foi ensinado ou compreender que não há pai e mãe perfeitos. E que, apesar das imperfeições, podemos amá-los.

Portanto, todo sujeito precisa encontrar o seu desejo. É a única forma de sair da demanda do outro que o esmaga e abrir mão das velhas posições que o impedem de alcançar seu desejo. Fora do desejo, qualquer coisa é questionável. Não estou tratando aqui de caprichos infantis e vontades passageiras, mas do desejo. Algo importante e sério capaz de guiar o sujeito para uma vida construída cuidadosa e respeitosamente. Uma vida estável em que sejamos, no mínimo, contentes.
Quando falamos de reformas íntimas e particulares, é preciso mover verdades alheias impostas, é preciso não ser objeto, e sim sujeito. É importante se escutar, fazer valer aquela vozinha que sempre deixamos escapar. Porque o desejo fala constantemente conosco. Para muitos, é impossível atendê-lo, porque está ligado a perigos indizíveis.
Penso que as reformas são difíceis, mas imprescindíveis. Quando analiso isso no nível individual e vejo como é difícil quebrar padrões, não consigo evitar pensar o Brasil.

Há anos falamos de reformas necessárias aos sistemas político, administrativo, judiciário, prisional, educacional e de saúde. Quanto autoritarismo será necessário quebrar. Quantos ditadores teremos de enfrentar. Ministérios a derrubar, impotências a remover, bandidos a exonerar... Assim é (ou deveria ser) a vida: cheia de constantes e bem-vindos cortes e reformas. Mas tendemos ao repouso, queremos o descanso, mesmo no colo da pulsão de morte...

No caminho tinha uma pedra, disse Drummond. Não há caminho sem pedras e perdas. É da natureza das roseiras bravas rasgar a carne... Fique longe das sarças, dizem-nos. Não se pode viver e ficar longe das sarças, lembrou o poeta americano William Carlos Williams.

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