terça-feira, 30 de abril de 2013

O mal - Francisco Daudt

folha de são paulo

Sou fascinado pela afirmação de que 'ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância'
"As crianças nascem más, elas melhoram crescendo, pois a cultura pode civilizá-las." Ao ler essa frase, apareceu-me a velha questão da "verdadeira essência" da nossa espécie.
Rousseau, filósofo suíço, século 18, achava que nossa natureza era originalmente boa, e que a cultura a corromperia (o "bom selvagem", como se os nascidos na selva não tivessem cultura).
Hobbes, filósofo inglês, século 16, acreditava na infinita capacidade de violência do ser humano, obrigado a contê-la para viver na civilização (na cidade, encontrando desconhecidos sem poder matá-los, como seria seu impulso de origem).
A frase não segue Hobbes, portanto. Ela seria mais o inverso perfeito da crença de Rousseu. Nossa espécie teria uma essência má, que a bondade da cultura amorteceria... um pouco.
Que maldade é essa? O que é o mal? O tema é vasto. Vamos pensar apenas na maldade humana. Ela teria a ver com infligir dano e sofrimento de maneira intencional e injusta (se você mata em legítima defesa, não praticou o mal).
No entanto, encontrar justificativa para a prática do mal é a coisa mais comum, não à toa Hannah Arendt escreveu sobre a banalidade do mal ao perceber que o nazista Adolf Eichmann acreditava que seu trabalho de extermínio de judeus era completamente justificado como o correto exercício do dever, e que não conflitava com o bom chefe de família que ele era.
A ética contempla os costumes. Depois do julgamento de Nuremberg não mais se justificam atos danosos pelo "cumprimento de ordens" --assim como, na época em que foi composta, "Nega do Cabelo Duro" não ofendia ninguém.
Lembrei-me dos pecados capitais: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. O curioso é que eles não são pecados em si, mas "capitis" (cabeça) de pecados, daí "capitais". Todos temos, como Hobbes observou, capacidade para eles, mas só quando a partir deles causamos dano/sofrimento intencional, cometemos pecado (ou crime), fazemos o mal com eles.
Mas, fazer o mal com a preguiça? Sim, pela omissão, pelo dane-se. A ganância está contida na avareza; a humilhação dos outros na soberba; os vícios na gula; a maledicência na inveja; o estupro na luxúria e assim por diante.
E a maldade das crianças, onde reside? Numa tira de quadrinhos (C. Schulz), o pequeno Linus, no recreio, fica fascinado com uma coleguinha linda, vai se aproximando dela devagar e finalmente, quando está junto a ela, não se contém e... Dá-lhe um soco no nariz! Maldade?
Não. Falta de instrumentos adequados para expressar a intensidade dos sentimentos que lhe assoberbavam. Como um bebê que chora por não saber falar.
Sou fascinado pela afirmação de Sócrates de que "ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis."
Ela sugere que poderíamos prevenir o mal através do cultivo de instrumentos de expressão mais eficientes de nossos desejos e insatisfações. Do maior conhecimento de si mesmo e do outro. De maior sabedoria, que leva à consideração e à compaixão.
Sem excluir as leis e a cadeia, claro.

Cúpula do Congresso e STF se encontram e acertam trégua

folha de são paulo

Corte promete agilidade para apreciar liminar que barrou trâmite de projeto
Acerto se deu em reunião a portas fechadas entre o ministro Gilmar Mendes e os presidentes da Câmara e do Senado
DE BRASÍLIASinalizando uma trégua no conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes disse ontem à cúpula do Congresso que vai manter a decisão que suspendeu a tramitação do projeto que inibe a criação de partidos no país, mas se comprometeu a levá-la para análise do plenário da corte o mais rápido possível.
O gesto do ministro, indicando que vai dar celeridade ao caso, agradou os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Ambos temiam que Mendes demorasse mais tempo, já que não há prazo para que ministros submetam suas decisões ao plenário.
Os três se reuniram ontem na casa de Mendes na tentativa de reduzir o clima de animosidade entre Legislativo e Judiciário.
No encontro, o ministro disse que não voltaria atrás em sua decisão por considerar "casuístico" o projeto que inibe a criação de partidos.
Gestado nos bastidores pelo Palácio do Planalto e apoiado publicamente por PT e PMDB, os dois principais partidos da coalizão governista, o projeto --já aprovado na Câmara e agora em tramitação no Senado-- prejudica eventuais adversários de Dilma Rousseff na disputa à Presidência em 2014.
Entre eles a ex-senadora Marina Silva, que tenta criar o Rede Sustentabilidade para se lançar ao Planalto.
DISTENSÃO
Na semana passada, a relação entre Legislativo e Judiciário ganhou contornos de crise após a decisão de Mendes e a aprovação em comissão da Câmara de projeto que tira poderes do STF.
Durante a conversa de ontem, Mendes queixou-se dessa última proposta e disse que, se ela for aprovada no Congresso, acabará sendo derrubada no Supremo.
Segundo ele, ministros da corte avaliam que a ideia foi uma retaliação de setores do PT por causa do julgamento do mensalão.
Renan e Eduardo Alves sinalizaram que a proposta, de autoria do deputado petista Nazareno Fonteles (PI), não deve ser aprovada pelo Legislativo. Eduardo Alves já havia anunciado que não iria criar uma comissão especial para analisar o projeto.
"Os regimentos tanto da Câmara quanto do Senado dizem que, havendo uma proposta que seja inconstitucional, pode ser arquivada", disse Renan, para quem ela não chegará a tramitar no Senado.
O clima da reunião foi classificado pelos presidentes da Câmara e do Senado como "cordial" e "distensionado". "A bola está no chão", disse Renan. Os três voltam a conversar na semana que vem.
Amanhã, senadores que defendem a decisão do ministro vão se reunir com ele.
Em vídeo divulgado na internet, Marina Silva agradeceu a Gilmar Mendes.
"Vivemos recentemente uma tentativa no Congresso de silenciar a voz daqueles que têm um outro posicionamento. Mas Graças a Deus, à mobilização da sociedade, dos senadores e do Supremo, na pessoa do ministro Gilmar Mendes, nós estamos agora livres para fazer o nosso processo político e ninguém vai silenciar a nossa voz", disse a ex-ministra.

    Deputado do PT quer novo projeto contra Supremo
    DE SÃO PAULOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TERESINAApesar do aparente clima de tranquilidade de ontem, o ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS) começou a recolher assinaturas para mais um projeto que deve alimentar o clima de crise entre Legislativo e Judiciário.
    Ele quer apresentar proposta que impede ministros do STF de suspender, de forma isolada, projeto aprovado pelo Congresso.
    "Parece que um ministro tomou partido em relação a um debate que está sendo feita na Câmara e no Senado", justificou.
    Vários integrantes do PT foram à tribuna da Câmara ontem para criticar Mendes e defender a proposta que reduz os poderes do Supremo. O ex-líder do PT na Casa Fernando Ferro (PT-PE) chamou o ministro de "capitão do mato".
    Autor da proposta de submeter decisões do Supremo ao Congresso, o deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI) chamou o STF de "cortezinha" que faz "politicagem".

      Partido de Marina coleta 100 mil assinaturas a menos que sua meta
      DE SÃO PAULOEm vídeo divulgado ontem, a ex-senadora Marina Silva afirmou que a Rede Sustentabilidade conseguiu coletar cerca de 200 mil assinaturas de apoio para o registro do partido na Justiça Eleitoral --100 mil a menos que a meta estabelecida pela própria sigla para o fim de abril.
      Essa meta é parte de um cronograma definido pela Rede para que as 500 mil assinaturas exigidas sejam obtidas até junho. Por causa do tempo gasto pela Justiça Eleitoral no processo de registro, o prazo é visto como necessário para que o partido seja aprovado até outubro, e Marina possa disputar a Presidência em 2014 pela legenda.
      O deputado Walter Feldman, da Executiva provisória, diz que a meta inicial era bastante ousada e que novos apoios ainda serão contabilizados nos próximos dias.

        Painel - Vera Magalhães

        folha de são paulo

        Horário nobre
        Sem medidas de impacto para anunciar, Dilma Rousseff deverá fazer pronunciamento enxuto na TV por ocasião do Dia do Trabalho, enfatizando o pleno emprego e conquistas pontuais dos assalariados. Para aplacar a revolta das centrais sindicais, a presidente receberá hoje Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). A ideia é discutir os itens da pauta trabalhista, cabendo ao ministro Manoel Dias (Trabalho) levar a posição do Planalto aos eventos festivos de amanhã, em São Paulo.
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        Que tal? O governo estuda propor a sindicalistas um calendário escalonado para atender duas de suas reivindicações, projetando para o pós-2014: a redução da jornada para 40 horas semanais e o fim do fator previdenciário.
        Contra o tempo A presidente também convocou para hoje reunião com sua equipe para tratar do projeto que regulamenta os direitos dos trabalhadores domésticos. O impasse está nas regras para as indenizações rescisórias.
        Ideia fixa A CUT usará seu ato de 1º de Maio em São Bernardo para reforçar a campanha pela regulação da mídia. A entidade esperava ser presenteada com a liberação do canal digital da TV dos Trabalhadores, com alcance restrito hoje, mas o decreto federal não ficou pronto.
        Velhos tempos Dilma retomará hoje encontro da articulação política do governo no Planalto. Está marcada para as 8h reunião da presidente com Ideli Salvatti (Relações Institucionais) e Gleisi Hoffmann (Casa Civil).
        Arautos Aliados de Eduardo Campos detectaram digitais de Ideli e Aloizio Mercadante (Educação) nos acenos para convencer Fernando Bezerra (Integração Nacional) a trocar o PSB pelo PT.
        Fico Socialistas criticam o assédio deliberado ao ministro, da cota do governador pernambucano, e dão como certa sua permanência na sigla. Dizem que ele só não disse isso textualmente aos petistas para não inviabilizar seu futuro na Esplanada.
        Sem retorno Outrora confiante em acordo que fizesse Campos desistir do projeto presidencial, Jaques Wagner (PT-BA) já se mostra mais cético: "Acho que o caminho de volta se estreitou".
        Segundo tempo Henrique Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL) combinaram novo encontro na próxima segunda-feira com Gilmar Mendes. Os presidentes da Câmara e do Senado querem medir a temperatura da crise entre Legislativo e Judiciário após a conversa inicial de ontem.
        Time No evento-teste de reabertura do Maracanã, sábado, Lula, Dilma, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Eduardo Paes posaram para foto simulando um pôster de futebol com cozinheiros que trabalhavam no estádio.
        Fatura A Central de Movimentos Populares, que apoiou Fernando Haddad (PT), levou ao prefeito carta cobrando promessas feitas ao segmento na campanha. Além do fim da terceirização na saúde, o grupo quer aprovar o uso social das terras urbanas no Plano Diretor.
        Cobertura Mesmo desobrigadas de implantar o 4G este ano fora do circuito da Copa das Confederações, as principais operadoras de telefonia celular indicam ao governo que implantarão o sistema em São Paulo e nos principais polos do interior.
        Deixa assim O PDT ganhou a briga com o PSD por vaga na cobiçada Comissão de Transportes da Assembleia paulista. O partido de Gilberto Kassab, hoje com bancada maior que a pedetista, pleiteava cadeira no colegiado, que fiscaliza concessões de estradas e pedágios.
        com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
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        TIROTEIO
        "O recado é claro: os discursos de Dilma não se materializam em investimentos e nem enchem a barriga de ninguém."
        DO DEPUTADO FEDERAL ONYX LORENZONI (DEM-RS), sobre as vaias dirigidas à presidente durante evento com agricultores ontem em Campo Grande (MS).
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        CONTRAPONTO
        Carnê do Baú
        Sensibilizado com o apelo de Viviane Senna, que pedia ajuda de empresários para o Instituto Ayrton Senna durante o Fórum de Comandatuba (BA), o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), anunciou que, assim que desembarcasse em Brasília, cobraria de cada deputado uma doação. A meta é atingir R$ 100 mil.
        Aplaudido por parlamentares presentes no evento, o peemedebista aproveitou para cobrar a primeira parcela da "vaquinha" ali mesmo:
        --Os senhores deputados que estão aqui batendo palmas não reclamem lá fora. Vão ser os primeiros a doar!

          Janio de Freitas

          folha de são paulo

          Protetores do crime
          O truque da bandidagem é inteligente: suas ações têm, como norma, a presença de um menor de 18 anos
          A necessidade e a urgência de bloqueio ao uso de menores por bandidos e monstros como os incendiários da dentista indefesa Cinthya de Souza, em São Paulo, não podem continuar pendentes da discussão tergiversante sobre a menoridade penal. A menos que se continue admitindo, com estupor mas passivamente, que crimes se propaguem amparados na pena máxima de três anos de "reeducação" para o falso principal autor.
          O truque adotado pela bandidagem é inteligente. Suas ações passaram a ter, como norma, a presença de um menor de 18 anos. No caso de mau resultado final do crime, a gravidade maior do ato é atribuída ao "dimenor" e, como passaporte para o primeiro nível da bandidagem, por ele assumida. Não considerado criminoso e preso, como de fato é, mas como "apreendido" para reeducação nos tais três anos máximos, proporciona aos criminosos "dimaior" penas muito mais leves, como coadjuvantes. E saídas da prisão muito mais cedo, com os benefícios presenteados pela lei.
          Sobretudo em São Paulo, onde a incidência do truque é geral nos crimes em grupo, as polícias ou caíram no golpe inteligente e não se levantaram, ou o aceitaram como um modo de dar os crimes mais depressa como resolvidos. Assim os inquéritos chegam ao juízes, sem muito o que fazer para sanar a deformação. E ganham os bandidos: arriscam o crime, que na maioria dá certo --salvo se há contribuição de denúncia ou acaso-- e, quando não dá, a pena não é intolerável para ninguém.
          A impressão deixada pela rapidez com que uma delegada aceitou a versão dos monstros na morte da dentista vale como ilustração completa do que se passa hoje com o envolvimento dos criminosos de 16 e 17 anos. Palavras dela, para a TV: "Ele [o "adolescente"] jogou álcool nela e ficou [brincando, passando?] o fogo, aí o fogo pegou na manga dela e...". E pronto, logo o crime era dado pela polícia como "resolvido": o incendiário foi o "dimenor".
          Mas por que todos compraram álcool e voltaram ao consultório, senão para incendiar a dentista indefesa? E ainda há depoimentos de outras vítimas, que tiveram os cabelos incendiados como início do mesmo propósito pelos mesmos monstros. Incendiários, pois, todos eles.
          Durante as férias recentes, gastei algumas horas de vários dias para saber como são os programas policiais e como atuam Datena e seus concorrentes, tantas vezes citados, inclusive pelo admirável sociólogo Zé Simão. Sempre o mesmo. Assaltos em grupo, latrocínios em grupo, se apanhados não há dúvida: lá está o cara de 18 anos para ser o dono da arma, o autor do disparo e das piores violências. A quantidade de vezes em que isso se dá dia a dia é assombrosa.
          À parte a idade penal, as autoridades ditas responsáveis, nos governos e no Congresso, e mesmo nas polícias, precisam remediar o problema já. Ou ser pressionadas a fazê-lo. Agravante de corrupção de menor, agravar pesadamente a prática de crime de adulto acompanhado de menor, levando a pena a ultrapassar a vantagem do truque, são exemplos de providências adotáveis com rapidez. Mesmo que o marginal de 17 ou 18 anos em nada se diferencie do marginal de 20 ou mais, e mesmo que seu aprendizado criminal nos presídios não seja maior do que o aprendizado fora, não é possível perder mais tempo discutindo idades.
          As ditas autoridades já estão devendo --à sociedade, não aos criminosos em geral e monstros em especial.