"Voz por voz não me interessa"
Em livro de memórias e divagações, cantora Marina Lima fala de música, crises e desejos
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
"Teria que ser com alguém que saberia compreender o meu temperamento esquisito, a minha maneira difícil de ser." Marina Lima escreveu esses versos na primeira canção que assinou, "Maneira de Ser", em 1979. Agora, mais de três décadas depois, ela escolheu o nome dessa música para batizar seu primeiro livro.
"Não é uma biografia, é um livro que lida com assuntos que me tornaram o que sou hoje", diz Marina, 57, à Folha. "Isso é o que eu trouxe comigo, é o que permaneceu. Não sou apegada ao passado, vou jogando tudo fora, e isso é o que ficou, o essencial."
Essencial ou não, Marina fala de música, qualidade do ar em São Paulo, seus animais de estimação, seu apoio à legalização da maconha, a união de pessoas do mesmo sexo, a classe média do Brasil de Lula e Dilma, amigos que nunca saem de perto.
Desde que se mudou para a capital paulista há três anos, cansada da "bela vista" do Rio, ela diz ter ficado mais quieta, longe das festas e do mar, mergulhada na seleção de textos e nos escritos para o livro que lança agora.
Foi um tempo que casou com silêncio. Da "voz do Brasil dos anos 80" ou "esfinge cool e suingante", como críticos já a descreveram, Marina está hoje na sua, distante dos holofotes, focada na rotina de exercícios no Ibirapuera e concentrada em estudos compenetrados de timbres e frequências sonoras para seu novo disco, que deve sair só no ano que vem.
"São Paulo me dá a sensação de que eu tenho tudo aos meus pés", diz a cantora. "Aqui eu pude olhar para dentro de mim e posso falar sobre isso sem tanta distração, sem tanta coisa que possa me embriagar. Gosto de estar aqui, é quase como morar no estrangeiro, só que sempre falando a mesma língua."
Essa língua franca parece ser algo encontrado agora. Do hiato na carreira, problemas com a voz e turnês canceladas, ela fala com parcimônia. Durante a entrevista, escolhe a dedo metáforas para explicar o que a levou à reclusão no fim da última década.
A SEREIA E O LÁPIS
"O canto é uma coisa que hipnotiza. Ulisses, um grande guerreiro, podia ter morrido pelo canto de uma sereia", diz Marina. "Eu quis ser sereia e ouvinte, eu quebrei o lápis, e o lápis era eu. Não vale seduzir por seduzir, tem gente com uma voz linda e que não diz nada. Voz por voz não é algo que me interessa."
Entre nomes com lindas vozes que, para ela, dizem algo, estão Billie Holiday (1915-59), Elis Regina (1945-82), Maria Bethânia e, agora, Ivete Sangalo. No livro, não economiza elogios à cantora baiana -"sinto a dignidade e a verdade dela, porque ela não está cantando para seduzir".
Marina, aliás, não quer estar mais nesse lugar da sedução. Diz que não voltaria à cena dos grandes shows e turnês se tivesse que "mexer em pilares essenciais". "Minha função agora é passar adiante as coisas que eu percebo, importantes para traduzir o momento que a gente vive."
E essa tradução não virá pela música. Marina, que se diz "enlouquecida pelo ouvido", nega que esteja pensando em desistir da música, mas confessa que o livro "abre uma janela" e que escrever um blog tem sido seu canal de expressão mais forte.
Tem a ver com sua ideia de paraíso. Nas suas palavras, esse seria uma "ilha com sombra e frio (às vezes), ondas, internet e som (às vezes), e uma gente que eu adore".
MANEIRA DE SER
AUTOR Marina Lima
EDITORA Língua Geral
QUANTO R$ 53 (232 págs.)
AUTOR Marina Lima
EDITORA Língua Geral
QUANTO R$ 53 (232 págs.)
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