Paloma Oliveto
Estado de Minas: 23/01/2013
Enquanto a medicina não encontra uma forma de eliminar o HIV, a estratégia mais promissora é impedir o vírus de entrar nas células imunes, destruí-las e dar início ao ciclo de autorreplicação. Um estudo publicado na edição de ontem da revista Molecular Therapy aumenta a esperança de que a ciência esteja perto de atingir esse objetivo. Em laboratório, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiram modificar geneticamente os principais alvos do HIV, formando uma múltipla camada de proteção na membrana celular. Apesar de continuar no organismo, o vírus não consegue entrar nas células, tornando-se inócuo. As pesquisas com animais terão início em 2014.
O estrago que o HIV provoca no organismo se deve ao fato de que ele se une a proteínas presentes na membrana de importantes células do sistema imunológico. Essas estruturas funcionam como soldados, se mobilizando para expulsar do corpo agentes externos. Sem elas, qualquer gripe pode se transformar em uma pneumonia grave; por isso, portadores de HIV ficam mais suscetíveis a infecções. O vírus, porém, consegue driblar a defesa. Ele não só evita o combate como também penetra o interior das células e faz delas seu abrigo para conseguir se multiplicar, dando início ao ciclo de destruição do sistema imunológico. Quando a infecção foge de controle, o quadro evolui para a Aids.
O que os cientistas de Stanford conseguiram fazer foi fechar as portas das células ao HIV. Eles alcançaram o feito inativando as proteínas que abrem caminho para o vírus, os chamados receptores. Um deles, em particular, tem intrigado a comunidade científica: o CCR5. Algumas pessoas são imunes ao HIV porque já nascem com essa proteína inativa devido a uma mutação genética. No ano passado, ficou famosa a história do “paciente de Berlim”, um portador de HIV que, depois de passar por um transplante de medula óssea, ficou livre do vírus. O doador do material era um dos raros indivíduos cujo CCR5 não é ativo.
A estratégia de bloquear a entrada do vírus inativando o receptor CCR5 já está sendo testada na Universidade da Pensilvânia com pacientes de Aids. A técnica, desenvolvida por pesquisadores do Laboratório Sangamo BioSciences, consiste em uma proteína que reconhece o gene e o modifica, tornando-o resistente ao HIV. No estudo de Stanford, essa tecnologia foi utilizada, mas os cientistas investiram também em outros três genes que conferem resistência ao vírus. “Introduzimos quatro modificações genéticas. Primeiro, inativamos um dos receptores que o HIV usa para entrar na célula (CCR5). Usamos ainda um gene que se liga ao vírus no momento em que ele está passando pela membrana e o destrói. Outro gene previne a replicação do HIV, e por fim, introduzimos um gene que induz uma mutação no material do vírus, de forma que ele fica não funcional”, explica Matthew Porteus, professor de Stanford e um dos autores do estudo.
Ele reconhece que o HIV é um vírus inteligente, que sempre encontra formas de se modificar e combater as estratégias de defesa. Mas explica que com quatro alterações genéticas a blindagem às células é maior. “Concordamos que o HIV tem uma alta taxa de mutação – esse é um dos grandes desafios no desenvolvimento de medicamentos e de vacinas. É por isso que criamos múltiplas camadas de resistência contra o vírus. Se ele escapa de um dos mecanismos, há outros para detê-lo”, afirma. De acordo com Porteus, nos estudos em laboratório, a camada quádrupla de proteção deixou as células T mais de 1,7 mil vezes mais protegidas contra o HIV. Elas foram observadas por 25 dias, durante os quais o vírus não conseguiu infectá-las.
Vacina única Para Sara Sawyer, professora de genética molecular da Universidade do Texas, em Austin, e coautora do estudo, a terapia gênica é uma das principais ferramentas nas pesquisas de combate ao HIV. “A vantagem, comparando-se ao tratamento que existe hoje, é que, em vez de tomar várias drogas pelo resto da vida, essa seria uma terapia de dose única.” Sara conta que a ideia é desenvolver uma vacina que promova as mutações genéticas nas células T. Ela seria aplicada apenas uma vez. “Mas ainda temos muito trabalho pela frente para determinar a melhor abordagem terapêutica”, ressalta.
A cientista lembra que, embora aparentemente eficaz, a estratégia não significa a cura da Aids. “Por melhores que sejam os resultados, incluindo os nossos, nenhuma pesquisa conseguiu eliminar o HIV completamente. Contudo, se o vírus é incapaz de entrar na célula, ele não poderá mais danificar o sistema imunológico”, acrescenta. O coquetel de medicamentos antirretrovirais disponível atua em várias frentes, evitando que o vírus se replique, e tem tido um grande sucesso no controle da infecção. O que os pesquisadores das universidades de Stanford e do Texas pretendem é substituir a necessidade de tomar esses remédios e promover uma proteção ainda maior do que eles fornecem.
“A maioria das drogas usadas para lutar contra o HIV tem como alvo as proteínas do próprio vírus. Porém, como o HIV tem uma alta taxa de mutações genéticas, esses alvos mudam rapidamente, exigindo novas medicações”, explica Andrew J. Henderson, geneticista e pesquisador da Universidade de Boston, que não participou do estudo. De acordo com ele, o que os médicos podem fazer para evitar a resistência adquirida é prescrever diversos remédios ou alternar os antirretrovirais.
“Mas essas estratégias podem aumentar o risco de efeitos colaterais tóxicos, são difíceis de serem seguidas pelo paciente e nem sempre alcançam sucesso. É por isso que está crescendo o interesse em atacar o HIV em uma nova frente de atuação, desenvolvendo drogas que foquem não nos genes do vírus, mas nos das células humanas, que são muito menos propensos a mutações.”
ENCANTAMENTO De acordo com Matthew Porteus, a estratégia de terapia gênica usada na pesquisa poderá, teoricamente, reprogramar diferentes tipos de célula, como as do câncer e de outras doenças caracterizadas por mutações. “Não é qualquer tipo de célula que aceita modificações genéticas. Se elas rejeitarem as proteínas inseridas, o tratamento pode não ter efeito. Mas posso dizer que estamos encantados com o resultado que tivemos até agora com a reengenharia genética”, diz.
Palavra de especialista
Greg Towers, do Depto. de Pesquisas de Imunologia e Infectologia do University College, em Londres
Foco nas proteínas
Apesar dos grandes progressos feitos nas três últimas década para desenvolver e melhorar as drogas antirretrovirais, o HIV frequentemente cria resistência contra esses remédios, dificultando muito o tratamento. É importante e urgente que se dê um passo à frente com novas estratégias terapêuticas. Quase todos os tratamentos anti-HIV estão direcionados ao vírus. Mas, se pudermos desenvolver drogas que, ao contrário, sejam focadas nas proteínas do próprio organismo da pessoa infectada, o HIV vai ter dificuldades para evoluir e replicar. A promessa mais recente em termos de terapias contra o vírus da Aids é essa: ter como alvo os genes do hospedeiro, e não do agente infeccioso.
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