Frei Betto
Estado de Minas: 06/03/2013
Nos próximos dias, a Igreja Católica terá novo papa. Até que ele seja eleito, os cardeais de 48 países estão reunidos em Roma debatendo, com certeza, os motivos que levaram Bento XVI a renunciar. Para a opinião pública, um gesto corajoso de humildade, sobretudo nesses tempos em que muitos políticos se julgam imortais e não concebem viver fora do poder. É o caso de Berlusconi, na Itália, que de novo busca ser primeiro-ministro, e de tantos políticos aqui no Brasil, acostumados a lotear a República e a tratar ministros e chefes de autarquias indicados por eles assim como um latifundiário trata seus capatazes.
A Igreja é uma instituição de origem divina, mas formada por seres humanos que, a cada dia, devem orar “perdoai as nossas ofensas e não nos deixeis cair em tentação”. Mas caem, e provocam escândalos, como os sucessivos casos de pedofilia.
Quem conhece a história da Igreja sabe quantos abusos e crimes foram cometidos por ela em nome de Deus. Para citar apenas o caso do Brasil, durante o período colonial, bispos e padres se mostraram coniventes com a escravatura; a Inquisição caçou e cassou suspeitos, conduzidos daqui à prisão e à fogueira em Portugal; e a expressão “santo de pau oco” evoca o contrabando de ouro e diamante recheando as imagens devocionais levadas pelos clérigos ao exterior.
O ser humano padece de duas limitações intransponíveis: prazo de validade (todos haveremos de morrer) e defeito de fabricação (trafegamos entre luzes e sombras). É o que a Bíblia chama de pecado original. Ao transpor sua origem divina ao caráter da instituição, a Igreja comete o erro de tentar cobrir com o véu da virtude os frutos do pecado. Por que chamar o papa de Sua Santidade se até ele é pecador e roga pela misericórdia de Deus? Por que qualificar de “sagradas” as congregações do Vaticano que atuam como ministérios de uma monarquia absoluta?
Quanto maior a altura, maior o tombo. O véu da virtude rasgou-se diante dos escândalos de pedofilia mundo afora e, nesses dias, com a revelação da rede de prostituição que opera em Roma para oferecer serviços sexuais de seminaristas. Nada disso diminui o mérito de tantos membros da Igreja Católica que dão as suas vidas para que outros tenham vida, como é o caso dos bispos Pedro Casaldáliga, Paulo Evaristo Arns, José Maria Pires, e inúmeros padres e religiosos(as) que, despojados de ambições e conforto, se dedicam aos doentes, aos mais pobres, aos dependentes químicos, aos encarcerados.
O grave é a Igreja não se abrir ao debate às candentes questões que concernem à condição humana. “Nada do que é humano é estranho à Igreja”, dizia o papa Paulo VI. Infelizmente, não é verdade. Criou-se em torno da sexualidade uma espessa cortina fechada pelo cadeado do tabu e do preconceito.
Embora na prática o tema seja debatido no interior da instituição eclesiástica, a rigor está oficialmente proibido colocar em questão o celibato obrigatório; a ordenação de mulheres; o uso de preservativos para evitar Aids e outras doenças; a sexualidade por prazer (e não para procriar); o aborto em situações singulares; a união de homossexuais etc.
O novo papa não poderá fugir dessas questões, sob pena de ver a Igreja se esvaziar ou seguir convivendo com a hipocrisia de uma moral contida na doutrina em contradição com a moral vivida pelos fiéis. Além de despir-se do véu da virtude, a Igreja deveria se perguntar que sentido faz o papado proclamar que a Igreja não se mete em política e, no entanto, o Vaticano arvorar-se em Estado soberano, com representação na ONU e núncios como embaixadores em diversos países.
O papa merece ser apenas o pastor dos fiéis católicos, o bispo de Roma, que serve de parâmetro à comunhão universal na fé, e não um monarca absolutista com poderes de intervenção em todas as dioceses do mundo. O Concílio Vaticano II propôs à Igreja um governo colegiado, o que não foi implementado por Paulo VI nem aceito por João Paulo II e Bento XVI. A mosca azul parece picar também o papado. Essa “embriaguez da vitória”, como dizia Toynbee, fez com que a cegueira impedisse o pontífice de evitar a corrupção no banco do Vaticano; o vazamento de documentos sigilosos na Cúria Romana; a traição de seu mordomo; e tantos outros escândalos que, agora, arranham profundamente a imagem da Igreja.
Jesus não se fez acompanhar por um grupo de perfeitos ou santos. Pedro o negou, Tomé duvidou, Judas traiu, os filhos de Zebedeu ambicionaram o poder temporal. Nem eram todos castos e angélicos. No primeiro capitulo do evangelho de Marcos consta que Jesus curou a sogra de Pedro. Se tinha sogra é porque tinha mulher. Nem por isso deixou de ser indicado como líder da comunidade de apóstolos. Quem caminha sem salto alto tropeça menos. É hora de o papa calçar as sandálias do pescador, abdicar dos títulos honoríficos herdados do Império Romano e assumir, em colegiado com os cardeais de todo o mundo, o mais evangélico de todos os seus títulos: servo dos servos de Deus.
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