sábado, 21 de setembro de 2013

Biologia sintética em favor do coração‏

Grupo da UFMG tenta criar método de prognóstico usando bactérias modificadas para alertar risco cardíaco grave. Projeto CardBio está inscrito em competição mundial de sistemas biológicos do MIT


Paula Takahashi


Estado de Minas: 21/09/2013 


Na primeira colocação entre as principais causas de morte no mundo desde 2000, as doenças cardiovasculares – como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC) – vitimaram 17 milhões de pessoas em 2011, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O peso do problema para a saúde pública foi decisivo para que um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se unisse para propor uma solução capaz de identificar, com antecedência, os riscos do paciente ter uma Síndrome Coronariana Aguda (SCA). 

“Hoje só se detecta o problema quando a pessoa já passou por algum evento. Depois que ela tem um infarto, são medidos marcadores no sangue como a troponina e creatina quinase para constatar que o que ocorreu realmente foi um infarto”, explica Clara Guerra Duarte, pós-graduada em bioquímica e uma dos 13 integrantes do grupo multidisciplinar envolvido na pesquisa. A proposta da equipe é desenvolver um prognóstico que vai poder alertar, com até um mês de antecedência, sobre os riscos de um problema cardíaco grave. “Para isso, vamos usar bactérias geneticamente modificadas”, explica a mestranda do departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, Marianna Kunrath Lima.

O projeto batizado de CardBio é um dos três brasileiros que estão inscritos no iGEM, competição mundial de sistemas biológicos geneticamente modificados promovida desde 2003 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). “O iGEM foi criado para promover a biologia sintética que vai combinar biologia e engenharia para projetar e construir novas funções em sistemas biológicos para aplicação em várias áreas”, explica Marianna.

O grupo agora corre atrás de patrocinadores para participar da fase eliminatória que ocorre no Chile entre 4 e 6 de outubro. No ano passado, a equipe vencedora apresentou uma bactéria capaz de detectar se a carne está podre. “Quando está imprópria para o consumo, a carne começa a liberar alguns compostos voláteis. A bactéria é sensível a esses compostos e, quando os detecta, muda de cor indicando que está ruim”, conta Marianna. A ideia já virou até produto.

A lógica dos pesquisadores da UFMG é parecida com esse processo. Durante a formação das placas ateroscleróticas – acúmulo de gordura na parede das artérias responsável pela redução do fluxo sanguíneo – são liberados biomarcadores no sangue, à semelhança do que a carne podre faz com os compostos voláteis. “Elegemos três deles como alvo da pesquisa que são o BNP, TMAO e IMA (veja quadro ao lado). Nosso objetivo é desenvolver um dispositivo capaz de identificar esses múltiplos biomarcadores e informar se a pessoa está em risco”, explica Clara.

Esse mecanismo de identificação será implantado dentro de uma bactéria. “Vamos alimentá-la com informações. Entre elas, os níveis desses biomarcadores. Ela irá processar e vai gerar uma saída”, acrescenta a pesquisadora. A opção por três biomarcadores visa aumentar ainda mais a confiabilidade do resultado. “Nenhum deles é perfeito isoladamente. Se tiver só um aumentado, pode haver outras causas que não sejam necessariamente cardíacas”, observa Marianna.


SENSOR DE PROBLEMA Se a pessoa tem muito TMAO, por exemplo, o biomarcador vai interagir com outras proteínas dentro da bactéria que culminará em subprodutos. “Na sequência genética da bactéria, há um promotor (responsável por regular a expressão do gene). Quando ele é ativado, faz com que o gene produza uma proteína capaz de reportar o que ocorreu”, explica a Marianna. Essa proteína é fluorescente e fará com que a bactéria ganhe cor. “Vamos quantificar essa fluorescência por meio de um equipamento chamado de fluorímetro que vai quantificar esse comprimento de onda”, observa Clara.

Cada biomarcador irá gerar uma fluorescência de cor distinta para que possa ser identificado aquele que está alterado. “Se todos eles estiveram alterados simultaneamente, é possível calibrar o fluorímetro para ler cada uma das cores de forma isolada”, explica Clara. A bactéria já está formada e agora passa por ajustes. “Já construímos o dispositivo, colocamos o promotor, a proteína e já estamos fazendo alguns testes in vitro. Temos agora que fazer as especificações dessa máquina biológica”, antecipa Clara.


PREVENÇÃO Para a coordenadora do projeto CardBio e professora do departamento de Bioquímica Liza Felicori, identificados os biomarcadores alterados, uma série de medidas poderiam ser tomadas para retardar e até evitar o infarto ou angina, por exemplo. “Poderiam ser feitos exames para identificar se já existe calcificação e realizadas inclusive mudanças comportamentais como a alimentação”, observa. Em relação ao que já existe hoje na área de prognóstico, Liza acredita que a bactéria trará mais agilidade e precisão ao processo. “Além de um custo reduzido, já que a bactéria seria como uma fábrica”, avalia.

INICIATIVA RELEVANTE

Apesar de inovadora, a bactéria capaz de identificar os marcadores sanguíneos para doenças cardiovasculares dificilmente poderá ser considerada de forma isolada no prognóstico do paciente. “Essa não seria a única solução. Se a pessoa tem diabetes, mas não tem o TMAO alterado, por exemplo, ainda assim tem maiores chances de desenvolver problemas. Hoje os fatores de risco como hipertensão, colesterol elevado, diabetes e tabagismo pesam mais que a presença dos marcadores”, observa Marcus Bolivar Malachias diretor do Departamento de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Para o especialista, que coordenada a campanha de conscientização “Eu sou 12 por 8” da SBC, a pesquisa desenvolvida pelos alunos da UFMG é de extrema relevância e trará grandes contribuições se associada as demais frentes de atuação que envolvem a análise de uma série de variáveis, inclusive histórico familiar. “Pode ser que, diante das pesquisas, se descubra que um marcador é mais relevante para o prognóstico de doenças cardiovasculares que os fatores de risco mencionados. Será por meio dessas tentativas que isso será desvendado”, observa Malachias.

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