sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Uma nova abordagem contra o câncer‏ - Bruna Sensêve

Cientistas propõem que tumores sejam classificados de acordo com o material genético em vez da condição celular


Bruna Sensêve


Estado de Minas: 27/09/2013 


De forma semelhante ao Projeto Genoma Humano (PGH), que consistiu em um esforço internacional para mapear o código genético humano e identificar todos os seus componentes, a comunidade científica mundial se une para a construção do Atlas Genômico do Câncer (TCGA, em inglês). Na primeira empreitada, finalizada em 2003, centenas de laboratórios e institutos de saúde debruçaram-se sobre a tarefa de sequenciar os genes que codificam as proteínas do corpo humano e as sequências de DNA deles, um a um. Na nova, cientistas de renomadas instituições de pesquisa fornecem mapas tumorais moleculares sem precedentes e sugerem uma nova classificação para os tipos de câncer baseada nas informações genéticas dos tumores em vez da origem celular, como é feito atualmente.

Em dois artigos publicados hoje na revista científica Nature Genetics, a equipe do projeto do Atlas Genômico do Câncer apresenta números grandiosos. O time é composto por mais de 250 colaboradores, distribuídos por quase 30 instituições. Os resultados estão baseados na análise integrada de 1.930 arquivos de dados, para os quais foram utilizadas seis tecnologias biomoleculares. O projeto TCGA foi iniciado em 2006 com o objetivo de coletar e montar o perfil de mais de 10 mil amostras de tumores de pelo menos 20 tipos de câncer. A vasta coleta de amostras, depositadas e descritas em múltiplas plataformas técnicas, produziu os dados para um atlas cada vez mais completo das alterações moleculares do problema.

A doença pode ter centenas de formas, dependendo da localização, da célula de origem e do espectro de alterações genômicas que promovem a oncogênese – alterações cromossômicas, celulares e ou genéticas que culminam no desenvolvimento de um câncer – e afetam a resposta terapêutica. Ainda que hoje já tenham sido identificadas muitas informações genéticas com impacto direto na constituição das características fisiológicas de um organismo (fenótipo), grande parte da complexa “paisagem molecular” de tumores permanece incompleta para a maioria das linhagens do mal. Essas análises das alterações genômicas em vários tipos de tumores, no entanto, levaram a duas observações fundamentais.

Em primeiro lugar, tumores originários do mesmo órgão ou tecido variam substancialmente quanto às suas alterações genômicas. Nessa direção, foi observado que, ao mesmo tempo, padrões semelhantes de alteração genômica são vistos em tumores de diferentes tecidos de origem. O oncologista e coordenador do Centro de Pesquisa Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC), Felipe Cruz, ressalta que essa é a principal descoberta do trabalho. “Eles observaram que, independentemente do local, alguns cânceres têm patrimônio genético semelhante e se diferem por alguns aspectos pontuais.” Isto é, cânceres de mesma origem celular, como os diversos subtipos de tumores mamários, não têm necessariamente alterações genéticas parecidas. 

Por outro lado, alterações similares foram descritas em tumores derivados de tecidos e órgãos distintos. “O que eles propõem éque, em vez de utilizar a classificação habitual, como câncer de pulmão, de mama ou de próstata, essa divisão seja feita com base no material genético desses tumores.” Cruz acredita que, no futuro, quando for possível a análise do patrimônio genético de cada tumor, o tratamento também poderá ser revertido em drogas-alvo moleculares com base na configuração genética do tumor. “Hoje, a gente trata o câncer de mama de uma forma e o câncer de pulmão de outra.”

A opinião é compartilhada por Chris Sander, principal autor de um dos artigos e cientista do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, em Nova York. Segundo ele, os fenômenos de heterogeneidade em tumores de mesma origem e a semelhança genética em tipos diferentes representam um desafio clínico e uma oportunidade para projetar novos protocolos terapêuticos com base nas características genômicas tumoral. 

Em seu trabalho, Sander desenvolve, com o auxílio de um algoritmo, uma nova abordagem que integra vários tipos de alterações genéticas e é independente do tecido tumoral de origem, promovendo uma classificação hierárquica de 3.299 tumores de 12 tipos de câncer. “A análise identifica uma relação inversa marcante entre o número de alterações recorrentes nas cópias genéticas e o número de mutações somáticas, subdividindo os tumores em duas classes principais: uma com mutações somáticas e outra com alterações no número de cópias”, define. 

A equipe liderada por Sander também identificou padrões específicos de assinaturas oncogenéticas que caracterizam cerda de 30 subclasses de tumores. “Essas assinaturas são associadas a vias oncogênicas distintas e podem ser usadas para designar alvos terapeuticamente acionáveis entre os tipos de tumores e a fração de pacientes que pode se beneficiar desses agentes terapêuticos específicos”, diz Sander quanto à possibilidade do avanço na medicina personalizada para o tratamento do câncer.

O segundo estudo, liderado por Rameen Beroukhim, do Instituto Broad, em Boston, focou na análise de como um tipo específico de alteração genética, já conhecida por uma relação com a formação do câncer, pode atuar para favorecer o surgimento da doença. Conhecida como alterações somáticas do número de cópias genéticas (SCNAs, em inglês), esse tipo de mutação afeta a maior porção do genoma de cânceres do que qualquer outro tipo de alteração genética. Ela exerce papéis fundamentais na ativação da oncogênese e na inativação de mecanismos naturais do organismo para a supressão do tumor.

“Uma compreensão dos efeitos biológicos das SCNAs levou a avanços substanciais em diagnóstico e terapêutica do câncer conhecidos hoje”, avalia Beroukhim. Segundo ele, o principal desafio na compreensão das SCNAs é distinguir os processos que servem de estopim e contribuem para a oncogênese e a consequente progressão do câncer. A equipe liderada por ele caracterizou alterações padrão em 4.934 tipos primários da doença e observou uma duplicação genômica associada com taxas mais elevadas de SCNAs em 37% das amostras.


Antidepressivos contra tumor

Uma abordagem bioinformática voltada para o reaproveitamento de medicamentos resultou na identificação de uma classe de antidepressivos como novo potencial tratamento para o câncer de pulmão de pequenas células (CPPC). Os resultados foram publicados na revista científica Cancer Discovery, da Associação Americana para Pesquisa do Câncer. As duas drogas têm aprovação da agência de vigilância sanitária dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), para o tratamento de sintomas de depressão e foram testadas em células e modelos animais da doença contra o CPPC.

Esse câncer é um subtipo mortal de câncer de pulmão com origem neuroendócrina. Os pacientes diagnosticados com o mal têm um prognóstico sombrio, já que não há terapia direcionada e aprovada para a doença. Os antidepressivos testados foram a imipramina, que modula a atividade de certos hormônios causadores de distúrbios de humor, e a prometazina, um sedativo e antipsicótico.

Os dois medicamentos também foram eficazes em camundongos portadores de CPPC que se tornaram resistentes à cisplatina, medicamento de quimioterapia. “Diferentemente da maioria das terapias-alvo, que são muitas vezes específicas para uma única molécula ou via molecular, as drogas que identificamos visam a vários receptores-alvo na superfície de células cancerígenas, o que pode tornar difícil a elas (às células) desenvolver resistência”, detalha Julien Sage, professor associado de pediatria e genética na Escola de Medicina da Universidade de Stanford e autor do estudo. 

Os cientistas realizaram novas experiências e descobriram como as drogas agiam no CPPC, principalmente induzindo mecanismos de morte celular nas células cancerígenas. Como a imipramina também foi eficaz em um modelo animal de tumores neuroendócrinos pancreáticos, os pesquisadores esperam que os resultados possam ser estendidos para uma série de outros tipos de tumores neuroendócrinos. (BS)

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