ZERO HORA - 09/10/2013
Estava
em frente ao computador, como quase sempre estou, esperando que alguma
ideia inspiradora descesse do céu para me ajudar a escrever a coluna
desta quarta-feira. Enquanto a ideia brilhante não vinha, li o jornal e
fiquei ainda mais estarrecida com as notícias sobre o Brasil.
Desperdícios, obras inacabadas, tudo ficando para depois, para um dia,
para quando Deus quiser, e pensei: não, não vou falar de novo sobre o
atraso do país. Aí a palavra atraso me remeteu ao atraso de um
pagamento, e fui fazer algumas contas – a tela do computador seguiu em
branco.
Foi então que a zeladora bateu à porta do meu
apartamento e entregou a correspondência. Entre a papelada havia um
envelope sem selo, sem carimbo, só com meu nome escrito. Abri. Não havia
um bilhete, um telefone para contato, um e-mail, coisa alguma – apenas a
minha carteira de trabalho.
A minha carteira de trabalho! Onde
ela estava, e com quem? Eu a teria perdido na rua? Mas quando é que eu
portei essa carteira pela última vez, se há quase 20 anos trabalho como
autônoma? Jurava que ela estava repousando no fundo de alguma gaveta, e
ela me retorna pela porta da frente, assim, como quem volta de um
passeio.
A primeira sensação foi a de que entrei para a
categoria das destrambelhadas. Como é possível alguém perder algo sem se
dar conta? E não foi uma caneta, um pente, e sim um documento. Quanto
tempo ele passou fora de casa sem que eu percebesse? Por precaução, fui
dar uma espiada no quarto das minhas filhas para ver se suas roupas
continuavam penduradas nos armários.
Respirei fundo e abri
aquela carteira de trabalho emitida em 1981, com orelhas em todas as
folhas desbotadas e frágeis pelo tempo em que estiveram abandonadas,
pegando chuva, sendo manuseadas por pessoas estranhas, vá saber. Na
primeira página, minha foto: uma estagiária com expressão de pavor,
nunca havia trabalhado antes, nada suspeitava sobre seu futuro. A
assinatura, ao menos, era segura.
E então, página por página,
fui investigando a mim mesma, recordando de todos os lugares onde
trabalhei, por quanto tempo, se havia sido demitida, promovida,
reajustada. A parte dos salários foi a mais cômica. Em um emprego, eu
ganhava 90 mil. No emprego seguinte: 250 mil. E no outro, 1 milhão!! Por
fim, em meu último emprego, eu ganhava a gloriosa quantia de 1 milhão e
600 mil cruzeiros mensais. Morra de inveja, Eike.
Depois dessa
turnê pelo passado de um país cuja moeda mudava de nome todo ano e cuja
inflação fazia nossos rendimentos atingirem essa saraivada de dígitos,
fechei a carteira de trabalho e fui tratar de desvendar o mistério de
seu retorno ao lar. Desvendado (não revelo porque é bom manter algum
mistério nesta vida, e também porque o espaço acabou), voltei conformada
para minhas contas, lamentando que não se façam mais milionários como
antigamente.
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