sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Biografias não autorizadas: Chico Buarque pede desculpas, Ana de Hollanda defende biografias

Correio Braziliense 18/10/2013

Filhos de historiador, irmãos Buarque têm posições opostas em relação à licença prévia para publicação de obras sobre pessoas famosas. Depois de dizer que nunca foi entrevistado por Paulo César de Araújo para o livro sobre Roberto Carlos, o compositor teve que se retratar
O debate cada vez mais controverso sobre a publicação de biografias não autorizadas levou o cantor, compositor e escritor Chico Buarque a pedir desculpas a Paulo Cesar de Araújo, por ter dito que nunca dera entrevista ao autor do livro Roberto Carlos em detalhes. Depois de Araújo desmentir — com foto, autógrafo e vídeo — a declaração, Chico Buarque emitiu, ontem, uma nota desculpando-se por ter se esquecido da conversa ocorrida em 1992.

“No meio de uma entrevista de quatro horas, 20 anos atrás, uma pergunta sobre Roberto Carlos talvez fosse pouco para me lembrar que contribuí para sua biografia. De qualquer modo, errei e, por isso, peço desculpas”, disse Chico, na nota publicada ontem.

A irmã do artista, a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda, posicionou-se contrária à necessidade de autorização prévia, opondo-se a Chico Buarque no debate que invadiu as redes sociais nos últimos dias. “Afinal, sou filha de um historiador”, disse Ana de Hollanda ao jornal O Globo, reiterando posicionamento já manifestado no passado, quando o tema entrou em discussão no Congresso. O debate atual foi suscitado por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel). A entidade pede que seja suspensa a interpretação dada aos artigos 20 e 21 do Código Civil, segundo a qual é necessário o consentimento do biografado e das pessoas retratadas como coadjuvantes para a publicação ou veiculação de obras biográficas, literárias ou audiovisuais elaboradas a respeito de pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo.

A associação alega que a lei, interpretada dessa forma, criou uma disputa mercantil em torno dos direitos de publicação da biografia de personagens históricos. Ressalta ainda que a nova interpretação não isentaria o biógrafo de responsabilidade penal ou civil no caso de informação falsa ou ofensiva. Para o advogado Pedro Carneiro, especialista em direito autoral e propriedade intelectual, o pedido faz sentido. “O direito de processar e até retirar a obra de circulação permanece. O que não pode é ter avaliação prévia. Dar aos herdeiros o direito de vetar um livro é se apequenar demais. Se houver celeridade da Justiça e multas pesadas no caso de erro, a sociedade e o mercado amadurecem, ficam mais responsáveis”, diz.

Ele destaca, porém, que, se o Supremo Tribunal Federal considerar os dois artigos do Código Civil inconstitucionais, haverá um vácuo legal grave. “Sem segurança jurídica, você afeta um mercado fundamental para a memória de um país, para a literatura e a cultura”, avalia Carneiro.

Entenda o caso
» O debate sobre biografias não autorizadas está centrado nos artigos 20 e 21 do Código Civil. O primeiro dispositivo determina que podem ser proibidas “a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa” em dois casos: “se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” ou se forem destinadas para “fins comerciais”. O outro dispositivo define que a “vida privada da pessoa natural é inviolável”, e reforça o poder do juiz para, “a requerimento do interessado”, impedir as publicações ou recolhê-las.

» Com base nos dois artigos, artistas e herdeiros têm conseguido, na Justiça, proibir o lançamento ou tirar de circulação biografias não encomendadas pelos biografados ou suas famílias.

» A polêmica só terá fim quando o Supremo Tribunal Federal, provocado pela Associação Nacional dos Editores de Livros, julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, que questiona os artigos 20 e 21 do Código Civil. Outra saída pode estar em um projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados que reforma os dois dispositivos da lei para impedir a censura prévia.


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