quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Marina Colasanti-Em Cuba, três olhares‏

Marina Colasanti - marinacolasanti.s@gmail.com


Estado de Minas: 31/10/2013 


Estive em Cuba três vezes e cada vez encontrei um sentido diferente no olhar dos cubanos. Acabo de regressar da terceira viagem.

Era janeiro de 1987 quando cheguei à ilha pela primeira vez, jurada do Prêmio Casa de Las Américas, emocionada como convinha aos da minha geração. O bloco soviético ainda existia e tudo o que nos chegava às mãos vinha de lá. O suco podia ser húngaro, o bombom polonês, o vinho iugoslavo e os veículos mais novos eram russos. O hotel à beira-mar conservava a decoração dos tempos de Batista, jarrões de gesso branco e escadarias, como um musical de Esther Williams, mas decadente, e compartilhavam-se os quartos.

Para que pudéssemos ler com calma os muitos originais inscritos, nos levaram ao interior, província de Santo Espírito. Fomos recebidos na associação de escritores, conversamos com moradores locais, com camponeses, visitamos a escola de cinema de Santo Antonio de Los Baños. Tudo era entusiasmo. A revolução continuava empolgando, os retratos dos seus heróis viam-se por toda parte em painéis gigantescos. Em La Habana, tomava-se sorvete da Copelia em prato fundo, comiam-se pelas ruas enormes fatias de torta. Os slogans revolucionários pintados nas paredes continuavam fazendo sentido, e os cubanos olhavam o presente sem tirar o olhar do retrovisor. Todas as referências eram “antes” e “depois”, como em um comercial de xampu.

Só voltei em 2007, convidada do congresso internacional Lectura, organizado pela valente cubana Emilia Gallego. O hotel era outro, o Habana Libre, a decoração também era outra. E outra era a cidade. Os produtos do bloco soviético haviam desaparecido, sem que outros ocupassem seu lugar. Os carros eram obras do talento local, infinitas vezes recompostos, desamassados, repintados, carros únicos, que os turistas ainda pouco numerosos gostavam de fotografar. O leite havia sido reservado para as crianças, os sorvetes estavam suspensos. Agora, nas ruas, nos pediam canetas. Havia permissão para abrir mínimos restaurantes domésticos, chamados Paladar, e já se transgredia a limitação imposta ao número de mesas. Algumas fachadas em Habana Vieja estavam restauradas, só as fachadas, o resto ameaçava desabar.

O olhar dos cubanos havia trocado o orgulho pela crítica. Abandonado o retrovisor, centrava-se no presente e olhava o mundo.

E voltei agora, para nova edição do mesmo congresso. O mesmo hotel, administrado por rede internacional. Alguns prédios novos, pouquíssimos. Habana Vieja com ruas inteiras restauradas, a imponente arquitetura colonial espanhola iluminada à noite para deleite dos muitos turistas. Carros novos, japoneses e franceses, mais numerosos até do que os antigos calhambeques. Muitos táxis, muitos e bons restaurantes. Vi uma loja de objetos para casa, padrão internacional; entrei em outra, de roupas artesanais. Mas isso tudo é só para os turistas, inalcançável para os salários locais. Disseram-me que há um shopping em bairro popular, apinhado de cubanos. Não soube a tempo, não fui.

O olhar, agora, volta-se para o futuro. Através dos turistas que chegam, os cubanos veem o resto do mundo e querem mais. Os rostos dos heróis já não estão em toda parte. E o antigo slogan “Aqui ninguém se rende” foi pintado por mão alegre no muro do cemitério.

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