Bruna Sensêve
Estado de Minas: 01/10/2013
Maria Antonia, com o último exame de sangue: por apresentar diversos fatores de risco, ela precisa manter o nível de colesterol ruim abaixo dos 70mg/ml |
A servidora pública Maria Antonia de Lima, de 53 anos, acaba de ganhar um motivo a mais para se preocupar, ainda que, há pouco tempo, tenha respirado aliviada pelo mesmo motivo. Ao receber, alguns dias atrás, os resultados de seu último exame de sangue, ela comemorou a diminuição em quase 20% na taxa de LDL, conhecido como o “colesterol ruim”. Com o novo índice, ela havia entrado na faixa considerada desejável. Não estava no nível saudável (abaixo de 100 miligramas por mililitros de sangue), mas, pelo menos, tinha se distanciado dos alarmantes 154mg/ml anteriores.
No entanto, o entendimento médico sobre o estado de saúde de Maria Antonia foi alterado no fim de semana, durante o 68º Congresso Brasileiro de Cardiologia, que reuniu cerca de 10 mil especialistas no Rio de Janeiro. No primeiro dia do encontro, foi apresentada a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O novo documento revê uma série de fatores e determina uma nova forma de avaliar pacientes como a servidora pública, levando em conta características como idade, sexo e histórico familiar, entre outras.
O novo padrão de análise também estabelece uma divisão dos pacientes em três categorias: de alto, médio e baixo risco para problemas coronários nos próximos 10 anos. Os parâmetros consideram a servidora como de alto risco. Ela é hipertensa, fuma, não pratica exercícios físicos e tem casos de infartos na família. Por isso, ela precisa ter uma taxa de LDL menor que 70mg/ml. Bem abaixo dos 127mg/ml indicados no último teste.
A medida tomada pela SBC coloca o maior vilão na prevenção contra as doenças cardiovasculares no centro das atenções do Dia Mundial do Coração, celebrado domingo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), eventos coronários, como infartos do miorcádio e acidentes vasculares cerebrais (AVC), continuam a figurar o topo do ranking das principais causas de morte no mundo. Somente em 2011, foram 17 milhões de óbitos. Na grande maioria dessas mortes, o nível elevado de colesterol LDL no sangue, doença conhecida como dilipidemia, é protagonista.
Metas O LDL se deposita nas paredes dos vasos sanguíneos e forma placas de gordura conhecidas como ateromas. Esse acúmulo leva ao desenvolvimento da aterosclerose. A evolução da doença dificulta a passagem do sangue pelo vaso até que aconteça uma obstrução completa, levando a um infarto ou ao AVC. A maior parte desse colesterol presente no organismo é sintetizada no próprio corpo, especialmente no fígado. Ao contrário do que se pensava antigamente, apenas uma pequena parte é adquirida pela alimentação. Isso significa que o nível de colesterol no sangue não aumenta se não forem ingeridas quantidades adicionais por meio da dieta – à exceção de pacientes que têm um distúrbio genético.
Segundo o autor da diretriz, Hermes Xavier, presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia, as medidas servem como guia para que os cardiologistas possam identificar na população os pacientes com perigo de doença cardiovascular e tratar adequadamente os fatores de risco, principalmente o colesterol.
A redução proposta pelo documento é diferenciada para cada faixa de risco por meio de um escore global em que serão enquadrados os pacientes. São considerados o histórico da doença e familiar, o sexo, a idade e a quantidades de fatores de risco presentes, sendo eles colesterol elevado, hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo e sedentarismo. A partir da categoria que a pessoa assumir, alto, médio ou baixo risco, será traçada a meta de tratamento.
São considerados de alto risco aqueles que já tiveram um infarto ou derrame, os diabéticos e os que por ventura possuam múltiplos fatores de risco. A eles será indicada uma taxa abaixo de 70mg/ml – anteriormente, era 100mg/ml. As pessoas de risco intermediário, com um ou dois fatores, passam a ser recomendadas a manter as taxas de LDL abaixo de 100mg/ml (contra os 130mg/ml anteriores). Já a população de baixo risco deverá ter suas metas de acordo com a individualização do tratamento feita pelo médico. “O interessante seria 130mg/ml, mas não estamos impondo metas. Porém, para os de médio e alto risco, está absolutamente comprovado que, ao tratar o LDL para esses índices estabelecidos, os benefícios são enormes. Eles morrem menos e têm menos infartos”, afirma Xavier.
O bom moço Entre os tópicos propostos na nova diretriz da SBC, o colesterol bom, HDL, deixa de dividir a cena com o LDL. O primeiro não é mais considerado um objetivo de tratamento e passa a ser visto apenas como um fator de risco de grande força. A diferença entre os dois tipos presentes na células é que o LDL é menos denso e se deposita nas paredes dos vasos. Já o HDL absorve os cristais de colesterol que começam a ser depositados nas paredes arteriais e retarda o processo arterosclerótico. Por esse motivo, quem tem HDL muito baixo também tem maior chance de ter a doença cardíaca.
“Mas não há remédios hoje capazes de aumentar os níveis de HDL e, com isso, ter influência direta na mortalidade dos pacientes. Isso não está comprovado, e dessa forma optou-se por não considerar o HDL como meta de tratamento, mas sim como um fator de risco. Ele é um fator protetor, mas não conseguimos influenciar em seus índices por terapia”, explica Xavier.
O coordenador do Laboratório de Dislipidemia do Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro, Rodrigo Moreira, lembra que, nos últimos anos, vários estudos foram realizados avaliando o impacto da redução de triglicerídeos e do aumento de HDL, contudo, nenhum conseguiu provar que essas frentes realmente funcionavam. “Mas todas as vezes que foi proposta a redução do LDL, sempre víamos que a prevenção a doenças cardiovasculares era maior”, diz Moreira, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
O quadro deixa pacientes que já não conseguem atingir essas metas, mesmo com a mudança de estilo de vida, sem muita saída senão aumentar as doses de medicamentos. “Temos consciência clara de que mais pessoas precisarão de remédio, mas é muito importante que elas também reduzam os níveis de colesterol”, considera Xavier. Para ele, não adianta ter uma medida em que bastam a dieta e a atividade física, sendo que essa redução é de apenas 10%. “Isso é muito pouco para quem tem risco. Esse paciente vai ter que assumir um novo momento. Temos que fazer a população e os médicos entenderem que é preciso trazer as pessoas para níveis mais baixos de colesterol, para que haja uma atividade de prevenção eficaz.”
Segundo Moreira, atualmente, os medicamentos mais utilizados para tratamento são da classe das estatinas. Essas substâncias são capazes de fazer com que o fígado retire o LDL da circulação sanguínea, evitando que ele se deposite nas paredes das artérias. “Sabemos que as estatinas mais potentes e com doses altas conseguem até diminuir o tamanho da placa de aterosclerose. Com esses medicamentos mais fortes conseguimos uma redução de até 70%, dependendo da dose.” Ele alerta, porém que a mudança do estilo de vida é essencial. “Não há como tratar uma pessoa com colesterol alto sem que ela tenha uma mudança grande de estilo de vida, o que envolve uma dieta equilibrada, a prática de atividades físicas e que ela pare de fumar. Esses são os três pilares principais do tratamento.”
Tendência mundial
A Sociedade Internacional de Aterosclerose (IAS, em inglês), no início deste semestre, também publicou algumas recomendações globais quanto aos níveis desejáveis de colesterol LDL no sangue para pacientes de risco. A proposta é a mesma implementada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, mostrando uma tendência internacional rumo à diminuição dessas taxas. O documento foi produzido de 15 especialistas de renome internacional presididos por Scott M. Grundy.
palavra de
especialista
Avaliação
individual
“O documento segue uma tendência internacional de outras diretrizes já publicadas de prevenção de doença cardiovascular que classifica a população por faixa de risco. É uma forma de individualizar os valores de colesterol, principalmente os de LDL.
Nas outras diretrizes, isso fica menos definido, mas agora (a avaliação) se torna mais exigente para a população de alto risco. Os últimos trabalhos enfatizaram o valor do mau colesterol em detrimento do bom colesterol, alguns chegaram até a questionar se o chamado bom colesterol realmente traz o benefício.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário