O poeta Fernando Pessoa em quadro de Almada Negreiros |
Escrever sobre a vida de um ícone da literatura não é tarefa das mais fáceis. Que o diga o advogado, consultor da Unesco e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, que vem hoje a BH autografar o livro Fernando Pessoa, uma quase biografia. A missão exige tempo, envolve muitas pessoas, requer atenção a pequenos detalhes e a leitura de dezenas de livros. Gasta-se dinheiro e, sobretudo, é preciso ter paciência, muita paciência, para pôr tudo em ordem até, finalmente, começar a fase final da escrita.
Nada disso parece ter assustado Cavalcanti. Desde 1966, quando leu o poema “Tabacaria”, ele passou a se interessar pela vida e a obra do poeta português morto em 1935, com apenas 47 anos.
Cavalcanti fez viagens a Portugal, entrevistou muita gente, visitou os lugares em que o escritor morou, imaginou situações e tentou vivenciar a solidão do poeta. “No fundo, agora percebo, queria sentir os limites do seu destino”, revela.
Publicada pela Editora Record, a biografia deu ao autor o Prêmio Jabuti e chegou à sexta edição – a última delas revisada. Há apenas mais três livros do gênero: o primeiro lançado em Portugal, em 1950; o outro em 1986, na Espanha; e o terceiro na França, em 1996.
Cavalcanti, que também escreveu Fernando Pessoa, o livro das citações, destaca que o poeta não tinha 72 heterônimos, mas 127. “Eles eram as máscaras de Pessoa”, diz Cavalcanti Filho, de 64 anos, integrante da Academia Pernambucana de Letras.
Três perguntas para...
José Paulo Cavalcanti Filho
escritor
Qual foi o maior desafio que o senhor enfrentou nesse trabalho?
Sem dúvida, o tempo. Pessoa morreu em 1935. Era quase impossível reconstituir essa vida, que era o que me propunha, depois de tanto tempo. Só que o destino me ajudou. Não apenas encontrei os papéis como também pessoas, muitas anônimos que ninguém sabia existir, amigos que iam sempre à sua casa, a seu quarto. O resultado foi satisfatório por revelar numerosas passagens de sua vida, ainda desconhecidas: o livro que escreveu sem indicar ser seu autor, O bem amado; outro que vendeu a um judeu russo, Alma errante. E o último encontro de seu implausível amor no hospital em que morreu.
Por que o poeta tinha tantos heterônimos?
Pessoa teve, pela vida, 127 heterônimos, que descrevo com suas biografias possíveis. Bem mais que o número que se supunha até então, 72. Por amor à verdade, devo dizer: não eram assim tão importantes para ele. No fim da vida, decidiu abandonar todos e escrever um “livro grande” com o melhor deles, publicado em seu nome. Livro com o qual esperava ganhar o Prêmio Nobel. Não conseguiu. A derrota era sua companheira inseparável.
Quem, na realidade, era Fernando Pessoa?
Um homem vaidoso, extremamente vaidoso. Com plena consciência da grandeza de sua obra. E triste, imensamente triste.
FERNANDO PESSOA
Quase biografia, amores, ofícios, a arte de fingir, seus 127 heterônimos, o gênio e a liturgia do fracasso
De José Paulo Cavalcanti Filho
Editora Record, 734 páginas
Hoje, às 19h30, o autor participa do projeto Sempre um papo. Sala Juvenal Dias (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro).
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