ZERO HORA - 20/10/2013
As
duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu, sentada
atrás de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs, são amigas
de infância, são colegas de trabalho, talvez até namoradas. Autografei o
livro para uma, autografei depois o da outra, que eu estava ali a
trabalho. E elas se cutucavam, cochichavam, tiravam fotos juntas, não se
desgrudavam.
Me surpreendi com aquela alegria tão refrescante,
já que o óbvio seria encontrá-las esmorecidas, ambas estavam há mais de
uma hora numa fila que andava a passos lentos. A morosidade não era
culpa minha, e sim da situação, mas mesmo assim me desculpei e agradeci:
obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local teria
conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas amizades.
E saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas agora
interlaçadas.
E já que tudo está interlaçado, no dia seguinte
mesmo recebi um e-mail com uma sugestão de texto de uma senhora que não
era nenhuma daquelas duas moças, mas que também havia feito uma amizade
em uma fila: “Escreva sobre essa conspiração do destino: pessoas que se
conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.
Eis-me aqui cumprindo ordens.
Não
odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual
eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e
tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis. Não escapo
de enfrentá-las em bancos, cinemas e em sessões de autógrafos de amigos
escritores, mas não recordo de ter feito alguma nova amizade durante a
espera. Ou fiz?
Sim, conversa-se em filas. Ainda mais se a fila
for demorada e provocar queixas: dois irritados é o começo de uma
rebelião. Tem uma rede de supermercado na cidade que me deixa com os
nervos destruídos, quase já não a frequento, só em raríssimas ocasiões
para comprar dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia meu
espírito budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal
treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas
plásticas que não resistem até a chegada em casa. Nem mesmo o cartaz
avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande coisa.
Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos clientes
guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali amizades
fraternas, mas ter uma raiva em comum já é um elo.
Desviei do
assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de
infância durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para
realizar sua meta. Conclusão? Até das chatices se pode tirar algum
proveito. As filas tornaram-se o novo bar – em frente dos quais, aliás,
elas se formam também, longas, animadas, fervilhantes, não raro sendo a
principal razão de se ter saído de casa.
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