Vilhena Soares
Estado de Minas: 20/10/2013
Brasília – Ao acessar redes sociais que têm como premissa as postagens de fotos, como o Instagram e o Pinterest, a possibilidade de ver imagens de comida é bem alta, devido ao costume de muitos usuários compartilharem imagens de pratos que estão prestes a saborear. Mas qual será o efeito – se é que ele existe – dessas imagens sobre o apetite das pessoas?
Um estudo realizado por cientistas americanos e publicado no Journal of Consumer Psichology buscou responder à pergunta e chegou à curiosa conclusão de que a exposição a várias dessas fotografias não aumenta a vontade de provar os alimentos. Pelo contrário, ela tende a reduzir o interesse pelas receitas. Os pesquisadores acreditam que olhar incessantemente a comida pode deixar o cérebro cansado, como se a pessoa já tivesse se alimentado. Dessa forma, supõem, a vontade de saborear as iguarias diminuiria.
Jeff Larson, coautor do estudo e professor do curso de marketing da Marriot School of Management, da Universidade Brighan Young (EUA), explica que o trabalho surgiu pelo interesse em desvendar como as sensações físicas afetam o pensamento humano. “Os psicólogos experimentais estão cada vez mais encontrando maneiras de mostrar como as sensações físicas interagem com a cognição, ou o ‘pensar’. Uma vez que um elemento básico da cognição é uma simulação física da experiência, nos ocorreu que simular o sabor de um alimento pode ter o mesmo efeito de quando você o prova”, diz.
Para investigar se o apetite humano poderia ser afetado pelas imagens das refeições, os cientistas recrutaram estudantes para participar de uma série de experimentos. Em um deles, por exemplo, os voluntários foram divididos em dois grupos, de 60 pessoas cada. O primeiro viu várias fotos de comidas doces, e o segundo, de pratos salgados. Depois, foi oferecido amendoim salgado para todos e perguntado o quanto cada um havia apreciado o tira-gosto.
Nas respostas, os estudantes que tinham olhado fotos de alimentos salgados relataram gostar menos dos amendoins do que os que haviam visto as fotos dos doces. Larson explica o resultado: “Quando você avalia a imagem de um alimento para determinar se o gosto é bom ou não, seu cérebro se engaja automaticamente em uma simulação, que ativa as mesmas áreas do cérebro que seriam estimuladas quando você come. Ou seja, você fica cansado do sabor desse alimento, como se o tivesse ingerido”.
Tédio Para o presidente do Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, Kalil Dualibi, o trabalho corrobora uma suspeita que os cientistas já vêm abordando em outros estudos da área. “Esses pesquisadores induzem, por meio das fotos, a pessoa a ter consciência da satisfação. As imagens são um instrumento utilizado para estimular os caminhos da saciedade, e isso é fantástico. Essa estimulação cerebral torna nossa mente consciente”, destaca o médico, que não participou do experimento. “Existem muitos casos de pessoas que deixam de fumar e gostam de ficar só segurando o cigarro e colocá-lo (apagado) na boca, pois esse ato já as estimula e provoca uma série de sensações. Também temos casos de indivíduos que gostam de cozinhar, fazem isso o dia inteiro, mas que só provam a comida. Para elas, um pouco já é suficiente”, complementa.
Jeff Larson dá uma dica para quem quer evitar “enjoar” dos alimentos de que mais gosta. “Se você quiser desfrutar a experiência de consumo, evite olhar para muitas fotos de comida”, afirma. “Até me senti um pouco mal do estômago durante o estudo, depois de olhar para tantas imagens de doces”, conta. Ryan Elder, segundo autor do trabalho, destaca que a sensação de cansaço, definida por ele como “tédio sensorial”, só é provocada ao ver um grande número de imagens. “Não é que se você olhar para algo duas ou três vezes você vai obter esse efeito de saciedade. Isso é uma boa notícia para os entusiastas das fotos de comida, porque, vamos ser honestos, mostrar a todos a comida incrível que você está comendo é realmente legal”, afirma em um comunicado à imprensa.
Para Renata Morais, professora de comunicação digital do Centro Universitário Iesb de Brasília, o estudo utiliza para análise uma faceta já conhecida de usuários das redes sociais. “Esse costume de tirar fotos de alimentos incessantemente faz parte de um conceito que usamos em aula chamado design social. As mídias sociais têm esse poder. São as ferramentas que as pessoas utilizam para criar uma representação própria, uma autoimagem. Ao tirar fotos de pratos diversos, acredito que elas queiram mostrar um aspecto refinado, sua relação com a gastronomia”, explica.
Renata ressalta que estudos que envolvem o uso de novas mídias exigem alguns cuidados. “Quando falamos em tecnologia, tratamos de um assunto que muda rapidamente. Fazer estudos nessa área é difícil por conta dessa dinâmica. Qualquer coisa que digo agora sobre esse tema é sempre algo preliminar”, aponta. “Porém, é inegável que a nossa exposição cognitiva a essa overload (sobrecarga) sensorial de imagens, de estímulos visuais, como mostrado nesse estudo, faz com que a gente, de certa forma, esteja reconfigurando os nossos mecanismos de reação.”
Larson adianta que os próximos estudos realizados por ele e Elder continuarão a explorar a sensação de saciedade. “Gostaríamos de, em um seguinte, ver se nossos resultados formam uma base para um método de dieta eficaz. Se você tem uma fraqueza por um alimento em particular, será que podemos controlar o seu apetite ao fazer você pensar em comer aquele prato várias vezes?”, adianta.
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