Valor Econômico 18/11/2013
O julgamento do mensalão não teve efeito pedagógico. Não fez ninguém mudar de ideia sobre a culpa ou não dos réus
A prisão dos condenados no caso do mensalão - ou Ação Penal 470, como
dizem seus defensores - levanta a questão dos efeitos políticos do
julgamento. Não discutirei aqui se foi justo ou não, se os réus mereciam
ou não a condenação. Penso que o papel desta coluna seja medir seus
efeitos sobre nossa política. Estes são quatro.
O primeiro efeito se deu já em 2005-6. Ele excluiu da cena política
dois dos maiores nomes do Partido dos Trabalhadores: seu presidente, um
político que lutara no Araguaia contra a ditadura e depois, no
Congresso, se mostrara exímio articulador e negociador respeitado por
todos os partidos, José Genoino; e José Dirceu, político amado e odiado,
que então exercia o cargo mais próximo que temos de primeiro-ministro.
Dirceu e mesmo Genoino eram presidenciáveis. Com a denúncia e sua
repercussão na mídia, o PT ficou sem alternativas para concorrer à
Presidência. Ironicamente, o que o salvou, permitindo que mantivesse o
poder em 2006, foi uma medida criada para Fernando Henrique Cardoso: a
reeleição. A ironia está em que a reeleição não teria sido necessária
para garantir um segundo mandato ao PSDB, que em 1998 ganharia as
eleições com Serra ou Tasso sem problemas. Mas veio a calhar para o PT,
em 2006, quando na falta de outro nome deu Lula de novo. O efeito
inicial do mensalão foi robustecer o nome de Lula - que, lembremos, não
parecia tão convencido de concorrer a sua própria sucessão.
Um segundo resultado, que data do mesmo período, foi converter nossa
disputa política em guerra. É básico para qualquer analista político que
a democracia se distingue dos outros regimes porque nela há adversários
e não inimigos. Ela não é guerra. A democracia é o único regime no qual
a divergência é admitida, e a oposição - que ao longo de milhares de
anos foi presa, banida, executada com requintes de crueldade - tem o
direito de falar, e de tornar-se governo. Mas desde o mensalão o que
temos é um estado de guerra inscrito no espaço político, substituindo o
debate pelo ódio. Vários oposicionistas comparam o país à Venezuela ou
Argentina, onde o governo reprime a imprensa de oposição - o que não faz
no Brasil - e tutela a Corte Suprema - o que também não acontece aqui.
Para vários situacionistas, quem respeita a oposição, como eu, é
considerado um perigoso ou desprezível direitista. Pois é.
Esses, os efeitos da denúncia de Roberto Jefferson, em 2005, e da
manifestação da Procuradoria Geral, em 2007. Agora, e o julgamento?
Efeito pedagógico do julgamento foi quase nulo
Quando se julgam figuras de altíssimo escalão, a grande pergunta é
pelo significado pedagógico. Poderia ter sido ótimo. O impeachment de
Collor convenceu de sua culpa seus próprios eleitores. Havia uma
oportunidade de provar que dirigentes importantes do partido que
continuava a governar o país tinham cometido crimes e de condená-los por
isso - ou de absolvê-los, caso inocentes. Infelizmente, ou pior, o
processo apenas reforçou convicções preexistentes. Quem acreditava na
culpa continuou acreditando. Quem considerava o processo um ajuste de
contas dos derrotados nas eleições, um terceiro turno espúrio a
criminalizar a esquerda, se convenceu de que a oposição, na qual incluía
o Supremo Tribunal e a maioria da grande imprensa, montara uma paródia
de justiça.
Não importa aqui a opinião pessoal. O efeito político do julgamento
foi, apenas, fortalecer cada lado em suas crenças. Não substituiu crença
por saber, fé por razão. Não teve efeito pedagógico - lembrando que
pedagogia, ou educação, é o que faz alguém subir dos preconceitos ao
conceito, sair da ignorância para o conhecimento, melhorar em suma sua
relação com o mundo. Para quem odeia o PT, o processo foi a ocasião de
se vingar do partido, com o pseudônimo de justiça. A oposição errou ao
exigir condenações, em vez de fincar o pé no ideal de justiça. Para quem
apoia o PT, o processo favoreceu uma atitude defensiva, recusando-se a
discutir seriamente por que o partido que mais clamou pela ética no
Brasil, ao longo de 20 anos, relativizou essa preocupação uma vez no
poder. Ninguém aprendeu nada com o julgamento.
Último efeito, o do encarceramento. Tudo pode acontecer, mas até
agora o que vimos foi que o PT, refazendo-se dos danos que sofreu em
2005, se saiu bem nas eleições de 2012, concomitantes ao julgamento.
Este não o prejudicou politicamente. Com certeza, o espetáculo de dois
de seus maiores líderes na cadeia indignará quem apoia o partido e
rejubilará quem o detesta. Os 40% restantes da população como reagirão?
Pode ser que não lhe deem tanta importância. Afinal, o impacto ocorrerá
no momento da prisão e no quase ano restante muita água passará sob os
viadutos. Mas o que eu lamento é a ocasião perdida: não só nossa disputa
política virou guerra, não só o diálogo entre nossos dois melhores
partidos cedeu lugar ao ódio, como um julgamento que poderia ter sido
exemplar pariu um rato. Ao longo do processo, alertei para os riscos que
corria a direita (termo que para mim não tem nenhum sentido pejorativo)
ao querer ganhar a qualquer custo, e ao pressionar o Judiciário. Pois
é, ela corre o risco de ter obtido uma vitória de Pirro - para lembrar o
rei do Épiro que, no século III antes de Cristo venceu Roma, mas a tão
alto custo que seus generais diziam: "Se vencermos mais duas batalhas
assim, estaremos perdidos". Terá excluído dois nomes do PT, e nada mais.
Lamento esse resultado. Preferia mais que isso. Preferia que a sentença
final, fosse ela de absolvição ou condenação, granjeasse o respeito da
sociedade, para acima das barreiras partidárias. Este, sim, teria sido
um grande avanço.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br
O único efeito que realmente vejo é que foi pouco demais. Penas irrisórias diante da nefasta ação dos condenados e o pior, foi pouco. Existem tantos outros como eles que estão livres e com a plena certeza da impunidade! A Justiça brasileira precisa ser mais séria e agir com mais rapidez e rigor contra esses assaltantes dos cofres públicos. A lei tem de ser mudada para colocar tais crimes como hediondos, pois seus efeitos são bilhões de vezes mais nefastos que assassinato e tráfico de drogas, porque atingem a população como um todo. E o povo deveria enxergar que necessita se impor nessa questão, ao invés de ficar tentando justificar o injustificável. Ah. Existe sim prova fiel e consistente contra José Dirceu. A prova testemunhal, que se faz em consonância com provas factuais têm, perante a Justiça, grande valor.
ResponderExcluirNo mais só existe mensallão pq existem deputados q vendem o voto...seria pedagógica investigar todas as votações q ocorrem no congressi, daí veríamos q a história ñ tem fim!
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