segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Cotas: questão de justiça social

Correio Braziliense - 18/11/2013

 VIRIDIANO CUSTÓDIO DE BRITO
Secretário da Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Sepir/DF)


O Brasil foi colonizado por portugueses há mais de 500 anos, a invasão deixou prejuízos à terra explorada, a identidade foi construída com base no eurocentrismo. O povo nativo foi massacrado e a barbárie marcou o processo da escravatura. Os africanos trazidos para o Brasil foram violentados em seus direitos básicos e sofreram agressões físicas, sexuais e psicológicas. Sancionada em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi incompleta, pois não proporcionou nenhuma mudança estrutural para a inclusão social; os negros foram largados à própria sorte.

A política de branqueamento da população brasileira sempre foi presente na sociedade. Após 100 anos de abolição da escravatura, a população negra ainda tem lutado pelo direito de exercer sua cidadania e viver de forma igualitária.

Na contramão dessa resistência dos negros, os dados divulgados no Mapa da Violência 2013 revelam o aumento de homicídios de negros, principalmente jovens (entre 15 e 24 anos). Dos 467,7 mil homicídios contabilizados entre 2002 e 2010, 307,6 mil (65,8%) foram de negros. Nesse período, houve decréscimo de 26,4% nos casos de homicídios de brancos e acréscimo de 30,6% dos de negros. Nesses mesmos oito anos, foram mais de 231 mil homicídios de jovens, dos quais, 122,5 mil eram negros (53,1%).

Outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirma que a população branca tem, em média, rendimentos entre 60% e 70% superiores ao da população negra. O Mapa da Violência reafirma uma situação que já vem sendo há muito tempo anunciada pelos indicadores sociais. Os estudos mostram a exclusão em que vivem os negros e revela a necessidade de políticas públicas voltadas para essa população.

A ação afirmativa mais evidente do governo federal foi a aprovação de cotas raciais nas instituições de ensino públicas ou privadas. A medida entrou em vigor em 2001; o objetivo é oportunizar o acesso de negros e índios à educação superior e, consequentemente, ao mercado de trabalho. Em 2012, 180 instituições públicas de ensino, como universidades, faculdades e institutos federais ou estaduais, ofereciam algum tipo de ação afirmativa a pobres, negros, pardos e indígenas.

O sistema de reserva de vagas foi questionado por acadêmicos, que colocaram em pauta o desempenho dos cotistas, afirmando que os beneficiados não estavam preparados para cursar o ensino superior.

Conforme análise divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o rendimento dos cotistas em quatro universidades — UnB, Unicamp, Federal da Bahia (UFBa) e do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) — revelou que alunos que ingressaram pelo sistema de cotas tiveram desempenho similar ou até melhor em relação aos não cotistas.

Nesse mesmo ano, em 26 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 e estabeleceu que as cotas são constitucionais. Em agosto, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas Sociais, nº 12.711, a qual determina que, até agosto de 2016, todas as instituições de ensino federais deverão reservar no mínimo 50% das vagas para estudantes de escolas públicas, pobres, negros, pardos ou índios e 50% serão destinados à ampla concorrência.

As políticas afirmativas em prol das questões étnico-raciais ganharam efetividade no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A partir desse período, o movimento negro e outros grupos sociais foram reconhecidos e novos órgãos foram implantados, como, em agosto de 2011, a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Sepir/DF), além de, em outras regiões, secretarias municipais, estaduais e coordenadorias que promovem a igualdade racial.

Em 5 de novembro, a presidente Dilma anunciou o projeto de lei que reserva 20% das vagas do serviço público federal para negros. O PL tem sido brutalmente questionado pela sociedade, assim como as cotas raciais em universidades. Os críticos devem entender que o objetivo das cotas é corrigir injustiças históricas provocadas pela escravidão e exercer compensação, ainda não suficiente, para assegurar a igualdade de oportunidades para a maioria do povo brasileiro, visto que, no último Censo do IBGE (2010), mais da metade da população se declara preta ou parda.

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