domingo, 17 de novembro de 2013

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Último aprendizado‏

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Último aprendizado 


Ela tomou o copo, bebeu o conteúdo, dormiu e morreu

Estado de Minas: 17/11/2013

Sentou-se ao meu lado no avião e começamos a conversar. Conversa vai, conversa vem, de repente a doutora Margareth Dalcolmo me narra que um conhecido cientista político francês acompanhou a mulher a Zurich, para que ela tivesse a morte assistida. Ela se internou num hospital, o médico veio, deixou um copo com uma bebida determinada. Ela tomou o copo, bebeu o conteúdo, dormiu e morreu.

Seguimos falando sobre a urgência de o Brasil liberar a morte assistida. É desumano ficar entubado, ligado a aparelhos que mantêm a morte artificialmente, quando a pessoa não está mais aí. É um gasto tremendo, um calvário para a família. Margareth me prometeu uma bibliografia sobre isto. Não se pode separar o aprendizado da vida do aprendizado da morte. Escrevi crônicas e poemas sobre isto, sobre isto dei cursos vários: aprender a morrer é uma questão vital.

Chego em casa e vejo um email de um médico, dr. Neif Musse dizendo que vai publicar um livro de crônicas/depoimentos sobre o que tem visto nesta relação das pessoas com a morte. Manda-me um texto sobre uma bela adolescente que teve um acidente e morreu. Ele sabe que esse assunto me interessa. E devo fazer a apresentação do livro dele.

Marcamos um encontro para conversar sobre a vida e a morte. Não há como separá-las. E o lugar marcado é bem o lugar das celebrações, o restaurante/bar Garota de Ipanema perto de nossa casa. Fui andando para lá, me lembrando que nos anos 60 morei na Rua Montenegro ( hoje Vinicius de Moraes) e vi, com esse olhos que a terra há de comer, aquelas figuras míticas do bairro tomando chopp e olhando as pernas das airosas mulheres que passavam.

Ouvi muito do que o dr. Neif tem para contar. Ele também sabia daquela estória do Rubem Braga, que decidiu morrer quando descobriu que câncer de garganta ia levá-lo a várias humilhações. Rubem comprou as frutas de que gostava na feira em frente de sua casa, foi para o hospital e com a ajuda de um médico amigo acordou morto.

Saio da conversa com dr. Neif e, por concidência, vou à portaria da casa da Dra. Margareth, lá na Lagoa Rodrigo de Freitas, para pegar os livros que me prometeu sobre o assunto. Não resisto em lhes passar os títulos : « La mort est une question vitale » ( Dr. Elizabeth Kubler-Rosso), « La bataille de l’euthanaisie »- enquête sur les 7 affaires qui ont bouleversé la France (Tugdual Derville), »Lettre ouverte aux techocrates qui prennent l’hospital pour une usine », « L’avenir de la médicine »( Jean Bernard), « On death and dying »- what the dying have to teach doctors, nurses, clergy and their own femilies » Elizabeth Kubler-Ross, « La mort intime – ce que vont mourir nous apprenent à vivre » Marie de Hennezel, « La médicine sans corps- une nouvelle réflexion éthique » Didier Sicard e « Hippocrate et le scanner- reflexion sur la médicine contemporaine », Didier Sicard .

Lembrei-me, de repente, da sinopse de um curso que darei na Casa do Saber. É sobre literatura. Tardiamente me ocorre que deveria ter proposto um sobre o aprendizado da morte. Aliás, a literatura que nos ensina a viver nos ensina também a morrer.

E outra coincidência, vital e poética: falarei sobre isto ( a convite da Universidade Estadual de Minas Gerais) na Academia Mineira de Letras, quinta, 21. É que adotaram o livro Sisifo desce a montanha para vestibular. E como vocês sabem, Sísifo, foi condenado porque fez uma coisa inconcebível: sequestrou a morte…

Já pensou se ninguém morresse?

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