domingo, 17 de novembro de 2013

Toques de mestre - Gustavo Werneck‏

Toques de mestre 
 
Às vésperas da abertura do ano do bicentenário de Aleijadinho, equipe da Escola de Belas Artes da UFMG conclui restauração de duas peças atribuídas ao gênio do barroco brasileiro 

 
Gustavo Werneck

Estado de Minas: 17/11/2013


  No ateliê da Escola de Belas Artes/UFMG, no câmpus da Pampulha, a estudante de conservação-restauração Cristina Neres traz de volta a beleza da imagem de Santa Luzia, enquanto a colega Grasiela Nolasco (abaixo) se dedica à de Nossa Senhora do Carmo, com uso de raios X. As peças voltarão para Caeté em 15 de dezembro (FOTOS: CRISTINA HORTA/EM/D.A PRESS)
No ateliê da Escola de Belas Artes/UFMG, no câmpus da Pampulha, a estudante de conservação-restauração Cristina Neres traz de volta a beleza da imagem de Santa Luzia, enquanto a colega Grasiela Nolasco (abaixo) se dedica à de Nossa Senhora do Carmo, com uso de raios X. As peças voltarão para Caeté em 15 de dezembro

A mão direita do menino se enrosca no cabelo da mãe, com os dedos na altura da nuca, em busca certamente de segurança e proteção. O gesto delicado esculpido na madeira tem beleza, arte e, mais do que isso, parece ter vida tal a demonstração de intimidade. Com 1,13 metro de altura, a imagem de Nossa Senhora do Carmo, com Jesus no colo, está em fase final de restauração, ao lado da de Santa Luzia, um pouco menor (86 centímetros) e não menos expressiva. Em comum, as duas peças do século 18 têm a procedência – Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte – e a marca de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), o mestre cujo bicentenário de morte será lembrado de amanhã (veja a programação), Dia do Barroco Mineiro, até 18 de novembro de 2014. “São peças maravilhosas”, afirma, com brilho nos olhos, a professora Maria Regina Emery Quites, do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor) da Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O serviço iniciado em agosto foi mantido em completo sigilo e agora é mostrado com exclusividade pelo EM.

No ateliê da instituição, no câmpus da Pampulha, em Belo Horizonte, duas alunas do curso de conservação-restauração, orientadas pelas especialistas Maria Regina e Beatriz Coelho, trazem de volta a forma e a policromia dos objetos de fé eternizados em cedro. Para Grasiela Nolasco e Cristina Neres, do 8º período, estar diante de uma imagem atribuída a Aleijadinho é uma “honra” e estudar para impedir a deterioração desse patrimônio, oportunidade única. “É a primeira vez que trabalho no restauro de ‘um’ Aleijadinho. Trata-se de peça primorosa”, diz a aluna, dando os retoques no manto dourado de Nossa Senhora do Carmo. Fruto da parceria entre a Arquidiocese de BH e a EBA/UFMG, a iniciativa vai beneficiar outros tesouros de igrejas e capelas. A entrega das imagens será no próximo dia 15.


 Com um olho no aparelho de raios X, equipamento usado para ver as condições internas da imagem, e outro em Santa Luzia, Cristina nutre o mesmo sentimento da colega, destacando a função devocional das esculturas e sua importância para a comunidade católica de Caeté. “Sabemos da grande expectativa na cidade para receber as esculturas”, informa a estudante, que, também faz, com essa tarefa, o trabalho de conclusão de curso (TCC), supervisionado pela professora Yacy-Ara Froner. Para proteger o acervo e garantir a tranquilidade da equipe, as peças são mantidas sob forte vigilância e guardadas em cofre. “Neste momento em que lutamos pelo reconhecimento da profissão de conservador-restaurador, vale destacar que trabalhos dessa natureza jamais podem ser feitos por amadores. Aqui temos a expertise da presidente do Centro de Estudos da Imaginária Brasileira (Ceib), Beatriz Coelho”, diz Yacy-Ara.

VELAS A situação das peças era precária, embora não fossem encontrados cupins e ataque de outros insetos, como é muito comum em talhas, retábulos e outras peças sacras de madeira. Segundo Maria Regina, havia muita sujeira, desprendimento da policromia e rachaduras. Especificamente na imagem de Santa Luzia, verificaram-se queimaduras pelo uso de velas e estragos na salva de madeira que porta os olhos da padroeira da visão. Já na imagem de Nossa Senhora do Carmo, a equipe encontrou desprendimento na parte rendada da veste. O serviço demandou tratamento emergencial, com a fixação da pintura (policromia), limpeza, reintegração cromática e nivelamento.

“Além do restauro, as alunas fazem um estudo profundo, com análises dos materiais e técnicas, partes iconográfica e histórica e estilo. Ao mesmo tempo, escrevem monografia sobre o restauro e a prática diária, a qual será apresentada perante banca examinadora. Depois dessas etapas, Grasiela e Cristina vão à comunidade fazer uma palestra”, diz Maria Regina. Com larga experiência no setor, a orientadora diz que é sempre uma emoção trabalhar numa obra de Aleijadinho, “pois ficamos frente a frente com uma força que encanta”. E mais: “Não se consegue parar de admirar ”. Ela ressalta que o mestre do barroco apenas esculpia as imagens, ficando a policromia por conta de outros artistas. “Devemos, assim, dar um crédito aos policromadores, mesmo sem saber o nome deles”.


 Os contatos com a equipe da Escola de Belas Artes foram feitos pela historiadora Mônica Eustáquio Fonseca, coordenadora do Inventário do Patrimônio Cultural da Arquidiocese de BH. “Na Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, a imagem de Nossa Senhora do Carmo tem um altar dedicado a ela, enquanto a Santa Luzia fica no de São Francisco de Paula. O altar de Nossa Senhora da Conceição também é atribuído a Aleijadinho”, afirma a historiadora. Pelo trabalho de cooperação técnica, a arquidiocese fornece o material para restauração, grande parte importada, e a escola a mão de obra, devendo outras igrejas dos 28 municípios que compõem a instituição serem beneficiadas pela ação conjunta.


Programação
Abertura do Ano Aleijadinho

» Belo Horizonte

– Amanhã, às 20h, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais –Comemoração, pela primeira vez, do Dia do Barroco Mineiro, iniciativa do Legislativo, e homenagem à memória de Antonio Francisco Lisboa, cujo falecimento completará dois séculos em 18 de novembro de 2014. Presença do governador Antonio Anastasia
Amanhã, às 20h, na sede do Crea-MG (Avenida Álvares Cabral, 1.600 – Bairro Santo Agostinho, na Região Centro-Sul) – Abertura da exposição de fotografia Um olhar para o barroco mineiro – Homenagem a Aleijadinho
Até o dia 6 de dezembro, das 9h30 às 17h, na Imprensa Oficial (Avenida Augusto de Lima, 270, Centro) – Exposição O Aleijadinho pop, da artista plástica Simone Ribeiro, mostra que deu origem a um livro de mesmo nome

» Ouro Preto
– Hoje, às 19h, na Igreja de São Francisco de Assis, no Centro Histórico – Missa solene, com Coral e Orquestra São Pio X
– Amanhã, às 19h, no mesmo local – Apresentação artística (Arandela canta Vila Rica). Às 19h30, entrega da Medalha do Aleijadinho 2013

» Congonhas
– Amanhã, às 20h – Inauguração do projeto de iluminação das seis capelas com as sete cenas da via-crúcis, em frente ao Santuário Basílica do Senhor Bom Jesus do Matosinhos


DIA DO BARROCO MINEIRO
Iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Dia do Barroco, comemorado amanhã, foi instituído pela Lei 20.470/2012. Para o presidente do Legislativo, deputado Dinis Pinheiro (PP), autor do projeto de lei (PL 3.396/12), “o barroco, sendo uma riqueza do Estado, precisa ser celebrado permanentemente. Dessa forma, a sociedade mineira pode dar sua contribuição para manutenção e divulgação desse grande patrimônio, simbolizado pela figura de Aleijadinho, o maior artista plástico de nossa história”.  A lei criou uma comissão curadora para tratar da programação do bicentenário. O grupo será auxiliado por uma comissão gestora.



MEMÓRIA: Acervo restaurado em Nova LimaEm 2009, o Estado de Minas mostrou a fase final do restauro de um dos maiores conjuntos de esculturas em madeira de autoria de Aleijadinho, localizado na Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Nova Lima, na Grande BH. O acervo inclui quatro altares de cedro, dois púlpitos e uma tarja do arco-cruzeiro, a única que ainda apresenta policromia. A obra foi coordenada pela professora Bethania Veloso, diretora do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor) da Escola de Belas Artes da UFMG, instituição à frente da empreitada. As peças estavam originalmente na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Jaguara (século 18), em Matozinhos, na RMBH, e foram transferidas para Nova Lima no início do século passado. Houve descobertas no tesouro barroco tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), como um sacrário, até então desconhecido da maioria dos fiéis, localizado no altar dedicado a Nossa Senhora da Conceição.

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