Bruna Senseve
Estado de Minas: 20/12/2013
Estar infectado pelo
vírus da imunodeficiência humana (HIV) não quer dizer ter a síndrome da
imunodeficiência adquirida (Aids). Alguns pacientes soropositivos,
inclusive, não desenvolvem sintomas da doença por décadas, mesmo sem
serem submetidos a qualquer tratamento. Esse caminho tenebroso que leva à
morte em massa de células do sistema imunológico do infectado e,
consequentemente, origina o mal é ainda obscuro para a comunidade
médica. Um grupo de pesquisadores do Instituto Gladstone de Virologia e
Imunologia, dos Estados Unidos, anuncia hoje uma nova e importante parte
desse quebra-cabeça.
Eles sugerem que um “suicídio” das células infectadas, com o objetivo de proteger o organismo, gera um círculo vicioso. Nele, são liberados sinais inflamatórios atraindo ainda mais “soldados” para o principal ponto de batalha e diretamente para morte. Esse processo amplia a deficiência do “exército” de defesa do paciente e leva ao desenvolvimento da Aids. A descoberta foi descrita em dois artigos publicados simultaneamente nas últimas edições das revistas científicas Science e Nature.
No entanto, os primeiros passos dados para essa revelação aconteceram ainda em 2010, em um trabalho publicado na revista Cell. Na época, o mesmo grupo de pesquisadores descobriu que o HIV não é capaz de infectar produtivamente a maioria das células T CD4. Isso é, ele não consegue que a maioria dessas estruturas infectadas passe a replicá-lo. Mas, ainda assim, elas também morrem. Isso porque, na tentativa de manter o organismo longe da infecção viral, elas cometem uma espécie de “suicídio” celular conhecida como apoptose, que leva o sistema imunológico ao colapso e abre caminho para a Aids.
Esse conhecimento foi o ponto de partida para os trabalhos divulgados hoje. Os cientistas acreditavam que, se entendessem como se inicia e como funciona essa resposta “suicida”, conseguiriam também descobrir uma forma de interromper o processo. Logo eles perceberam que as descobertas anteriores não estavam completamente corretas. Em vez da apoptose inicialmente caracterizada pela ação da proteína caspase-3, o principal motor de morte dessas células é a enzima caspase-1. Ela mede um outro tipo de morte celular altamente inflamatória, a piroptose, que, além de destruir a célula, promove a eliminação da infecção “recrutando” um número maior de estruturas de defesa do organismo para o ponto de infecção.
Porém, no contágio pelo HIV, essa benéfica função se torna um impulso para um círculo vicioso devastador. Em vez de “limpar” a infecção inicial, a piroptose faz com que as novas células de defesa sejam atraídas pelos sinais inflamatórios – pequenos pedaços de DNA viral liberado com a autodestruição da célula – para também morrer. O processo seguinte a ser descoberto em busca de bloquear esse mecanismo foi entender como essa inflamação é percebida pelos outros soldados do sistema imunológico. Para isso, os cientistas desenvolveram uma forma de manipular geneticamente as células T CD4 em amostras de tecido de baço e amígdalas humanas. A manobra permitiu que eles observassem a ação da proteína IFI16. Quando o número dela era reduzido, a piroptose era inibida.
“Identificamos a IFI16 como o sensor de DNA que envia sinais para caspase-1 e dispara a piroptose”, descreve Kathryn Monroe, uma das autoras do estudo. Ela vê a descoberta como fundamental, uma vez que não é possível bloquear um processo até que todos os passos dele sejam compreendidos. “Ela é essencial para a elaboração de formas de inibir a própria resposta destrutiva do corpo ao HIV. Temos grandes esperanças para o próximo ensaio clínico”, adianta Kathryn.
Mudança de alvo Nos artigos, os pesquisadores demonstram, em cultura de células, que um inibidor de caspase inflamatória pode suprimir a morte de células CD4 + e a inflamação. O inibidor pode ser o indicador de uma nova estratégia terapêutica para o tratamento da infecção em que, pela primeira vez, o alvo é o hospedeiro e não o vírus.
Para a infectologista Mylva Fonsi , do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do Estado de São Paulo, as descobertas são bastante interessantes e significativas, mas ela ainda teme afirmar que esse tipo de intervenção esteja próximo da clínica. “A primeira coisa é o quão distante estamos de encontrar uma droga que possa agir nesse caminho, o que, com certeza, será um adjuvante de terapia muito valioso. Mas não acredito que vamos conseguir controlar o HIV só usando drogas para atuarem nesse sítios. Ainda serão necessárias as terapias combinadas.” Mylva ressalta também que esses processo não são usados pelo corpo apenas mediante a infecção pelo HIV, mas também em outras situações. “A partir do momento em que os dois forem inibidos, qual é o prejuízo que poderá ser gerado?”
Teste com droga A fase 2 de testes clínicos vai testar a capacidade de um anti-inflamatório existente e já aprovado para bloquear a inflamação e a piroptose em pessoas infectadas pelo HIV. A infectologista brasileira acredita que o anti-inflamatório pode possibilitar uma terapia de ponta para quem não tem acesso a antirretrovirais, reduzindo, ao mesmo tempo, a inflamação persistente em infectados pelo HIV que estão em tratamento. Ao reduzir a inflamação, a droga poderia impedir a expansão dos reservatórios com vírus latente, outro grande desafio para a pesquisa em HIV por ser um dos motivos que impedem a cura.
O pesquisador do Instituto de Investigação em Imunologia do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (III-INCT) Edecio Cunha Neto ressalta que um dos pontos mais relevantes do trabalho é a identificação do anti-inflamatório que potencialmente pode interferir no processo reconhecido pela pesquisa. “O uso dessa droga contra o HIV seria razoavelmente fácil e rápido. Seria um tipo de droga usada não contra a infecção, mas contra a progressão para a Aids.”
Cunha Neto detalha que em seu laboratório também são estudados os fatores que levam pessoas com HIV ao desenvolvimento da doença. “Temos visto que alguns aspectos moleculares são muito diferentes em pacientes que evoluem muito rápido quando comparados com aqueles que demoram às vezes décadas para isso.”
Fora do sangue
Atualmente, é possível reduzir a carga viral a níveis indetectáveis no sangue, mas o vírus permanece no organismo em locais denominados reservatórios ou santuários. Neles estão células infectadas do sistema imunológico que não passam na corrente sanguínea. Estão no cérebro, no intestino ou em outras áreas em que a droga não consegue atuar adequadamente. Pesquisas apontam que ao interromper o tratamento contra a infecção, uma nova pode surgir em decorrência da carga viral presente nesses reservatórios.
Eles sugerem que um “suicídio” das células infectadas, com o objetivo de proteger o organismo, gera um círculo vicioso. Nele, são liberados sinais inflamatórios atraindo ainda mais “soldados” para o principal ponto de batalha e diretamente para morte. Esse processo amplia a deficiência do “exército” de defesa do paciente e leva ao desenvolvimento da Aids. A descoberta foi descrita em dois artigos publicados simultaneamente nas últimas edições das revistas científicas Science e Nature.
No entanto, os primeiros passos dados para essa revelação aconteceram ainda em 2010, em um trabalho publicado na revista Cell. Na época, o mesmo grupo de pesquisadores descobriu que o HIV não é capaz de infectar produtivamente a maioria das células T CD4. Isso é, ele não consegue que a maioria dessas estruturas infectadas passe a replicá-lo. Mas, ainda assim, elas também morrem. Isso porque, na tentativa de manter o organismo longe da infecção viral, elas cometem uma espécie de “suicídio” celular conhecida como apoptose, que leva o sistema imunológico ao colapso e abre caminho para a Aids.
Esse conhecimento foi o ponto de partida para os trabalhos divulgados hoje. Os cientistas acreditavam que, se entendessem como se inicia e como funciona essa resposta “suicida”, conseguiriam também descobrir uma forma de interromper o processo. Logo eles perceberam que as descobertas anteriores não estavam completamente corretas. Em vez da apoptose inicialmente caracterizada pela ação da proteína caspase-3, o principal motor de morte dessas células é a enzima caspase-1. Ela mede um outro tipo de morte celular altamente inflamatória, a piroptose, que, além de destruir a célula, promove a eliminação da infecção “recrutando” um número maior de estruturas de defesa do organismo para o ponto de infecção.
Porém, no contágio pelo HIV, essa benéfica função se torna um impulso para um círculo vicioso devastador. Em vez de “limpar” a infecção inicial, a piroptose faz com que as novas células de defesa sejam atraídas pelos sinais inflamatórios – pequenos pedaços de DNA viral liberado com a autodestruição da célula – para também morrer. O processo seguinte a ser descoberto em busca de bloquear esse mecanismo foi entender como essa inflamação é percebida pelos outros soldados do sistema imunológico. Para isso, os cientistas desenvolveram uma forma de manipular geneticamente as células T CD4 em amostras de tecido de baço e amígdalas humanas. A manobra permitiu que eles observassem a ação da proteína IFI16. Quando o número dela era reduzido, a piroptose era inibida.
“Identificamos a IFI16 como o sensor de DNA que envia sinais para caspase-1 e dispara a piroptose”, descreve Kathryn Monroe, uma das autoras do estudo. Ela vê a descoberta como fundamental, uma vez que não é possível bloquear um processo até que todos os passos dele sejam compreendidos. “Ela é essencial para a elaboração de formas de inibir a própria resposta destrutiva do corpo ao HIV. Temos grandes esperanças para o próximo ensaio clínico”, adianta Kathryn.
Mudança de alvo Nos artigos, os pesquisadores demonstram, em cultura de células, que um inibidor de caspase inflamatória pode suprimir a morte de células CD4 + e a inflamação. O inibidor pode ser o indicador de uma nova estratégia terapêutica para o tratamento da infecção em que, pela primeira vez, o alvo é o hospedeiro e não o vírus.
Para a infectologista Mylva Fonsi , do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids do Estado de São Paulo, as descobertas são bastante interessantes e significativas, mas ela ainda teme afirmar que esse tipo de intervenção esteja próximo da clínica. “A primeira coisa é o quão distante estamos de encontrar uma droga que possa agir nesse caminho, o que, com certeza, será um adjuvante de terapia muito valioso. Mas não acredito que vamos conseguir controlar o HIV só usando drogas para atuarem nesse sítios. Ainda serão necessárias as terapias combinadas.” Mylva ressalta também que esses processo não são usados pelo corpo apenas mediante a infecção pelo HIV, mas também em outras situações. “A partir do momento em que os dois forem inibidos, qual é o prejuízo que poderá ser gerado?”
Teste com droga A fase 2 de testes clínicos vai testar a capacidade de um anti-inflamatório existente e já aprovado para bloquear a inflamação e a piroptose em pessoas infectadas pelo HIV. A infectologista brasileira acredita que o anti-inflamatório pode possibilitar uma terapia de ponta para quem não tem acesso a antirretrovirais, reduzindo, ao mesmo tempo, a inflamação persistente em infectados pelo HIV que estão em tratamento. Ao reduzir a inflamação, a droga poderia impedir a expansão dos reservatórios com vírus latente, outro grande desafio para a pesquisa em HIV por ser um dos motivos que impedem a cura.
O pesquisador do Instituto de Investigação em Imunologia do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (III-INCT) Edecio Cunha Neto ressalta que um dos pontos mais relevantes do trabalho é a identificação do anti-inflamatório que potencialmente pode interferir no processo reconhecido pela pesquisa. “O uso dessa droga contra o HIV seria razoavelmente fácil e rápido. Seria um tipo de droga usada não contra a infecção, mas contra a progressão para a Aids.”
Cunha Neto detalha que em seu laboratório também são estudados os fatores que levam pessoas com HIV ao desenvolvimento da doença. “Temos visto que alguns aspectos moleculares são muito diferentes em pacientes que evoluem muito rápido quando comparados com aqueles que demoram às vezes décadas para isso.”
Fora do sangue
Atualmente, é possível reduzir a carga viral a níveis indetectáveis no sangue, mas o vírus permanece no organismo em locais denominados reservatórios ou santuários. Neles estão células infectadas do sistema imunológico que não passam na corrente sanguínea. Estão no cérebro, no intestino ou em outras áreas em que a droga não consegue atuar adequadamente. Pesquisas apontam que ao interromper o tratamento contra a infecção, uma nova pode surgir em decorrência da carga viral presente nesses reservatórios.
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