segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Combate à superbactéria vem de coral brasileiro‏

Combate à superbactéria vem de coral brasileiro Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Católica de Brasília e do projeto Coral Vivo testa capacidade de peptídeo extraído do material marinho eliminar a KPC 
 
Marcus Celestino

Estado de Minas: 02/12/2013


Os cientistas vão investigar agora se a substância poderosa que ataca a bactéria é exclusivamente do coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata) (Projeto Coral Vivo/ Divulgação)
Os cientistas vão investigar agora se a substância poderosa que ataca a bactéria é exclusivamente do coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata)

Um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Católica de Brasília (UCB) em parceria com o projeto Coral Vivo promete deixar o ambiente hospitalar livre de uma superbactéria que acomete pacientes com moléstias pulmonares e distúrbios gastrointestinais e pode levá-los à morte. A “superbug” em questão é a Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), que poderá receber contra-ataque efetivo graças a uma molécula purificada advinda do coral orelha-de-elefante (Phyllogorgia dilatata).

O cnidário – filo de animais aquáticos que inclui as hidras de água doce, medusas, águas-vivas, corais, anêmonas-do-mar e as caravelas – é endêmico da costa brasileira, habita do Norte do Maranhão até a Região dos Lagos no estado do Rio de Janeiro e foi escolhido para o estudo graças às suas características naturalmente defensivas. “Por viverem fixos, os corais usam de estratégias para sobreviver em meio a verdadeiras ‘guerras químicas’. Eles têm substâncias para se defender que podem ser usadas, por exemplo, no combate a esta superbactéria (KPC)”, explica a bióloga Débora Pires, coordenadora de comunicação do projeto Coral Vivo. “Por se tratar de animais que vivem num ambiente inóspito e serem atacados constantemente, esses corais têm suas defesas próprias, bem interessantes para combater outros organismos”, acrescenta Simoni Campos, bióloga molecular da Universidade Católica de Brasília e uma das cabeças do projeto, orientadora de Loiane Lima, aluna que apresentou o estudo no curso de mestrado da instituição.

Nos testes desenvolvidos pelos pesquisadores, foi constatado que, entre seis espécies previamente selecionadas, a orelha-de-elefante era a que demonstrava maior capacidade de combater a superbactéria. De acordo com Simoni, o estudo, publicado no periódico especializado na área de bioquímica Protein & Peptide Letters, tem capacidade para tornar-se algo ainda maior: o próximo passo da pesquisa é determinar se a molécula advém de fato do coral orelha-de-elefante ou de algum outro organismo associado a ele, como, por exemplo, o simbionte zooxantela, protistas que se utilizam do coral como hospedeiro. “Esse é o próximo passo da investigação e é como procurar uma agulha em um palheiro”, destaca Simoni.
No processo de investigação das substâncias secretadas pelo coral orelha-de-elefante, os pesquisadores da UCB obtiveram um peptídeo purificado. Para chegar ao material, houve trituração de pedaços de colônias diferentes do coral, que passaram pelo processo de purificação e, aí, sim, foi obtida a substância que combate a KPC. Os testes in vitro realizados aferiram que, depois de 12 horas, a população da superbactéria foi expurgada pela combativa proteína. “Tais resultados são empolgantes. Essa poderá ser uma grande arma, um antibiótico que será capaz de combater a KPC e até mesmo outras superbactérias”, revela a pesquisadora Simoni.

PREDAÇÃO Devido à predação – a espécie é classificada como “vulnerável” na lista de espécies ameaçadas –, existe a dificuldade de coletar material para o prosseguimento dos estudos. O coral é muito usado na confecção de joias e para ornamentar aquários. O projeto Coral Vivo estuda o cultivo desses seres marinhos, para que a ameaça de extinção se afaste. “Precisamos de quantidade suficiente dessa molécula purificada (para prosseguir as pesquisas)”, ressalta a professora Simoni. “Coletei mais material recentemente para fazer mais testes”, completa. Esses testes serão feitos em vírus e fungos e, posteriormente, em animais menores. Por fim, em humanos.

Todo esse processo pode levar ainda 10 anos. Só a fase de bioprospecção demorou cinco anos. Tal trabalho, como visto, demanda muito cuidado, minuciosidade, além da burocracia. Isso para provar por A mais B que a substância presente no coral tenha 100% de eficácia para atacar bactérias, que atingem humanos. Além de sua eficácia ante a KPC, a proteína mostra-se efetiva também no ataque a outras duas bactérias de alta resistência, que são a Staphylococcus aureus e a Shigella flexneri. A S. aureus é considerada um patógeno humano oportunista e frequentemente associado a infecções adquiridas no ambiente hospitalar, sendo as mais comuns as que envolvem a pele. Em episódios mais graves, pode provocar pneumonia, osteomielite, endocardite, miocardite, pericardite e meningite. Já a S. flexneri é uma bactéria que causa diarreia e disenteria em humanos.

ESTUDO BEM-VINDO Para o químico Roberto Berlinck, doutor em química orgânica pela Université Libre de Bruxelles, a descoberta envolvendo o coral foi muito feliz. Para ele, a investigação de substâncias que têm potencial farmacológico a partir de cnidários ou de qualquer outro tipo de organismo é sempre muito bem-vinda. “Mais de 50% dos fármacos que estão no mercado são oriundos de moléculas de organismos vivos. No caso da KPC e de outras bactérias em que se necessita de antibiótico específico para combatê-las, é importante que estudos como esse indiquem uma nova classe de medicamentos, pois há 40 anos não há um antibiótico novo. Isso é um problema, pois as bactérias acabam adquirindo resistência. Esse estudo da UCB e do Coral Vivo é fundamental em termos farmacológicos, para posterior desenvolvimento da droga pela indústria farmacêutica. Mas, obviamente, sua evolução vai depender de inúmeros fatores”, diz.

Os pesquisadores envolvidos no estudo são do curso de pós-graduação em ciências genômicas e biotecnologia da Universidade Católica de Brasília, em parceria com o Museu Nacional/UFRJ e a Rede de Pesquisas Coral Vivo, que integra a Rede Biomar –Rede de Projetos de Biodiversidade Marinha –, que reúne também os projetos Tamar, Baleia Jubarte, Golfinho Rotador e Albatroz. Todos eles são patrocinados pela Petrobras por meio do programa Petrobras Ambiental, com o intuito de conservar a biodiversidade marinha do Brasil, atuando nas áreas de proteção e pesquisa das espécies e dos habitats relacionados. As ações do Coral Vivo são viabilizadas também pelo copatrocínio do Arraial d’Ajuda Eco Parque e realizadas pela Associação Amigos do Museu Nacional.

palavra de especialista

Suellen Siqueira, médica com especialização pelo Hospital Central da Polícia Militar do RIO DE JANEIRO

Resistência às drogas persiste  

“Tem-se notado, nos últimos anos, o aumento de bactérias que apresentam resistência a múltiplos antibióticos, sendo conhecidas como bactérias multirrestistentes. Nesse processo estão envolvidos fatores como dispositivos invasivos, o uso excessivo de antibióticos e a capacidade das bactérias de criarem resistência às drogas. A KPC é uma enzima produzida por bactérias que confere resistência aos antimicrobianos carbapenêmicos e agentes beta-lactâmicos, ou seja, a maioria dos antibióticos disponíveis no mercado. Por isso o tratamento dessas infecções é extremamente difícil. Nessa perspectiva, é de extrema relevância encontrar novos métodos para combater a KPC, pois as opções terapêuticas para o tratamento da Klebsiella pneumoniae são restritas. A resistência da KPC ainda constitui uma ameaça para os pacientes hospitalizados, levando a um alto índice de mortalidade por infecções.”

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Imagem na nova nota de R$ 100

Fato curioso é o que o coral orelha-de-elefante está presente nas novas notas de R$ 100. O pedido de inclusão foi feito pela equipe do projeto Coral Vivo. “As cédulas tinham animais típicos do nosso país. A nota de R$ 100, no caso, tinha a garoupa, só que seu ambiente não era retratado. Entramos em contato com a Casa da Moeda e pedimos  que incluíssem espécies importantes tipicamente brasileiras na composição desse ambiente”, comenta Débora Pires. Além dele, outro cnidário está presente nas novas cédulas: o coral-cérebro (Mussismilia brasiliensis), endêmico da região de Abrolhos, na Bahia. Uma pena que usualmente as notas de R$ 100 ficam pouco em nossas mãos para a devida apreciação.  

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