Humberto Siqueira
Estado de Minas: 16/12/2013
O nefrologista Guilherme Raposo mostra onde ocorre o problema no órgão |
"Você pode estar a caminho de um transplante e nem sequer saber disso". Algumas campanhas em torno da insuficiência renal crônica (IRC) buscam chocar para quebrar a inércia da população em torno do problema. Afinal, estamos falando de uma doença silenciosa que provoca uma perda de função lenta, porém progressiva e irreversível. O organismo se adapta e compensa os déficits, mas só até certo ponto. O principal marcador fisiológico da insuficiência renal crônica é a taxa de filtração glomerular (TFG), que estima a perda da função renal. O exame mede quantos mililitros de sangue o rim filtra por minuto. À medida que a insuficiência renal progride, a TFG diminui. Com esses níveis, a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) classifica a doença renal crônica em cinco estágios (leia ao lado).
Somente quando o paciente entra na quarta ou quinta fase começa a sentir os sintomas. "Por isso, sempre que um adulto for fazer um checape e exames de rotina deve verificar o nível de creatinina no sangue para estimar a taxa de filtração glomerular e também avaliar o exame de urina que, se alterados, podem ser indicativos do problema", diz Guilherme Raposo, médico nefrologista do Hospital Socor e da Clínica Nefrológica de Minas Gerais (Clinemge), ambos em Belo Horizonte.
Boa parte dos diagnósticos são feitos nessa fase, quando o paciente já está à beira dos tratamentos de substituição renal como a hemodiálise, a diálise peritoneal ou transplantepital. Quanto maior o nível de creatinina no sangue, pior. Segundo Raposo, o organismo, dependendo da pessoa, consegue se adaptar a uma perda de função dos rins de até 75%. Depois disso, o problema começa a deixar rastros. "Quando os rins passam a funcionar entre 30% e 15% da capacidade é que os sintomas ficam mais proeminentes", explica.
Conforme explica José de Resende Barros Neto, coordenador do Serviço de Nefrologia do Hospital Felício Rocho, as maiores causas da IRC são diabetes e hipertensão fora de controle. “Cerca de 60% a 70% dos casos de insuficiência renal crônica estão ligados a uma das duas doenças. Em terceiro lugar estão as nefrites ou inflamações dos rins”, afirma. O histórico familiar também conta. “Olhamos se algum parente tem diabetes ou hipertensão, mas principalmente com histórico de doença renal policística, diálise ou transplante”, completa.
Os sintomas são bem específicos e podem incluir cansaço, fraqueza, náusea, vômitos, anemia, retenção de líquido, edemas, coceira generalizada, pele seca, dores de cabeça, perda de peso, diminuição do apetite, alteração na cor da urina (torna-se escura ou sanguinolenta), dor ou ardor quando estiver urinando, urinar com maior frequência, inchaço dos tornozelos e dor lombar.
Numa fase mais avançada da doença podem surgir outros sintomas, como pele anormalmente clara ou escura, dor nos ossos, mau hálito, sonolência e confusão, dificuldade de concentração e raciocínio, dormência nas mãos, pés e outras áreas do corpo, espasmos musculares ou cãibras, hematomas, hemorragia ou sangue nas fezes, sede excessiva, soluços frequentes, diminuição da libido e impotência, amenorreia, distúrbios do sono, como insônia, síndrome das pernas irrequietas e apneia noturna obstrutiva e inchaço de mãos e pernas. O estágio final da doença renal é chamado de falência renal crônica.
ALIMENTAÇÃO É importante que a pessoa com algum problema nos rins procure ter uma dieta equilibrada. “A dieta é individualizada, de acordo com as necessidades de cada pessoa. Em geral, a restrição alimentar aumenta à medida que a função renal diminui, dificultando a manutenção dos níveis aceitáveis de potássio, fósforo e ácidos e com a evolução do quadro. O usual é a diminuição no consumo de sal, restrição de água, alimentos com muito potássio, fósforo e proteínas”, esclarece Guilherme Raposo.
Além da dieta, outras medidas nefroprotetoras incluem dosagem de bebidas alcoólicas, não fumar, não se automedicar, principalmente com anti-inflamatórios, e manter as doenças causadores sob controle.
Os altos níveis de incidência da insuficiência renal crônica e de mortalidade relacionada vêm alarmando a comunidade científica internacional nas duas últimas décadas. A incidência e a prevalência da IRC em estágio terminal têm aumentado progressivamente, a cada ano, no Brasil e em todo o mundo. “A prevalência das principais doenças que causam IRC aumenta com a idade. E a população brasileira está envelhecendo. Há uma expectativa de que o país viva uma verdadeira epidemia da doença”, acrescenta o nefrologista.
No Brasil, estudo realizado com todos os pacientes incidentes registrados na Base Nacional em Terapias Renais Substitutivas que iniciaram diálise entre 2000 e 2004 aponta o aumento nas prevalências (de 354 pacientes incidentes por milhão de população em 2000 para 431 em 2004). Todos os pacientes que sofrem de doença renal crônica devem ter em dia as vacinas mais importantes, como antipneumocócica polissacarídica, gripe, H1N1, hepatite A e B, a fim de evitar mais agressões ao organismo e aos rins.
Saiba mais - Terapia de diálise ou transplante
A fase de terapia de diálise ou transplante tem início quando restam ao paciente em torno de 20% da função renal. À medida que a função renal se aproxima de 10% é fundamental preparar o paciente para o tratamento de substituição da função renal. Nessa etapa, é necessário conversar com o nefrologista sobre as possibilidades de transplante ou de diálise. A partir daí é necessário realizar os exames para o transplante renal e/ou providenciar uma via de acesso para diálise. A realização desses procedimentos permitirá que o paciente tenha menos complicações quando for iniciar a diálise ou submeter-se ao transplante de rim.
Fases da doença
Fase 1: Integra pessoas que fazem parte dos grupos de risco para o desenvolvimento da insuficiência renal: diabéticos, hipertensos, indivíduos com histórico familiar de IRC, entre outros Resultado do exame de taxa de filtração glomerular: 90 mL/min
Fase 2: Trata-se de indivíduos que têm lesão renal em estágio inicial, mas mantém níveis seguros de filtração glomerular (TFG entre 60 e 89 mL/min)
Fase 3A: Os rins ainda são capazes de manter o controle dos fluidos corporais. Entretanto, já apresentam perda de função, detectada apenas por meio de métodos eficientes de avaliação funcional (TFG entre 45 e 59 mL/min)
Fase 3B: O estado clínico do paciente é considerado bom, mas observam-se, por meio de avaliação laboratorial simples, alterações nos níveis de creatinina plasmáticos e de ureia. Nessa fase é comum os pacientes apresentarem somente sinais e sintomas ligados à causa básica: hipertensão arterial, lúpus, diabetes melitus e infecções urinárias. (TFG entre 30 e 44mL/min).
Fase 4: Paciente apresenta sinais e sintomas marcados de uremia, tais como sintomas digestivos, fraqueza, mal-estar, anemia, edema e hipertensão arterial. (TFG entre 15 e 29 mL/min)
Fase 5: O rim vem à falência, torna-se incapaz de regular o meio interno e configura-se perda significativa da função renal, incompatível com a vida. (TFG menor do que 15 mL/min).
Nenhum comentário:
Postar um comentário