Zero Hora 15/12/2013
Tem coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de
escrever um texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões
começaram a espocar e foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde. A
luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder
trabalhar. Então bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela
também estava à toa, sem conseguir desfrutar da companhia inseparável
do seu laptop. Ficamos as duas ali nos queixando do desperdício de
tempo, até que nos jogamos em sua cama e começamos a conversar. Que
jeito.
Conversamos sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei
os que eu tinha na idade dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá
até aqui. E ela me divertiu com umas ideias absurdas que só podiam mesmo
sair de sua cabeça inventiva, e eu ri tanto que ela se contagiou e riu
muito também de si mesma. Então ela me falou sobre uma peça de teatro
que foi assistir quando eu estive viajando, e ela disse que eu teria
adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator voltar a
Porto Alegre.
Aí eu contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar
com ela no teatro, e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me
apresentar o novo disco da Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu
de que existe muito preconceito com essa cantora que, em sua opinião, é
revolucionária, e eu escutei umas sete músicas e não gostei tanto assim,
mas reconheci ali um talento que eu estava mesmo desprezando. Então foi
minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma
careta, e concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos
mais um tanto, e então fomos para a cozinha comer um resto de salada de
fruta que estava a ponto de estragar naquela geladeira sem vida, já que a
luz ainda não havia voltado.
Será que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão luminosa.
Quando por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e
voltou minha filha para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa
era o barulho das teclas escrevendo para seres invisíveis – falávamos
com quem? Com o universo alheio.
E tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar
luz. É ficarmos reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem
está ao nosso lado. Se é preciso que a energia elétrica seja cortada
para resgatar a energia humana, que seja, então. Não em hospitais, não
em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por semana: não haveria de
causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo, prometo não reclamar
para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a ponto de estragar
os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me alimentar da
clarividência e brilho de um bom papo.
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