ZERO HORA - 22/12/2013
Aconteceu
em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora,
fora do Brasil. De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel
lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu. É
seu. Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria
apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela
mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato,
fez. Acabaram virando nossas alianças: desde então nossa amizade só
cresceu.
Certa vez Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em
seu programa no GNT quando aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o
anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente
a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes,
mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria
deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.
Diante
de tanto acúmulo e posse, gestos de desprendimento são raros e
transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar
do próprio corpo algo de que gosta e dar de presente, numa reação
espontânea de afeto. Pessoas fazem isso por inúmeras razões. Por
gostarem realmente da pessoa com quem estão. Pelo senso de oportunidade.
Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais
do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer
outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um
amigo é coisa que não vale perder.
Estou falando deste assunto
não porque também seja assim desprendida. Já me desfiz de muita coisa,
mas me desfaço com planejamento, pensando antes. De supetão, por
impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia.
Devo
estar me transformando numa sentimentaloide, mas acredito que estes
pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos
muito rudes e autofocados. Desfazer-se dos próprios bens é uma coisa
meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna
qualquer relação mais fácil. E não falo só de bens materiais. Desapego
das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para
ouvir atentamente a dos outros. Não estaria aí a fórmula do tal “mundo
melhor” que tanto perseguimos?
Bom, o anel que minha amiga me
deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo para testar se o
truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas posso me
desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que
serão mais bem aproveitadas por outras pessoas.
É com esse
espírito de compartilhamento que encerro esta crônica desejando a todos
os leitores um Natal com muitos presentes – mas no sentido de presença.
Que, junto aos seus afetos, você comemore o que lhe for mais tocante:
seja o nascimento de Jesus, seja a reunião familiar, seja apenas mais
uma noite festiva de dezembro, seja um momento de paz entre tanto
barulho, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode
ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore.
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