Valor Econômico -
09/01/2014
A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar o fim das
doações de empresas para campanhas eleitorais causa apreensão entre
políticos - que afirmam temer ficar sem dinheiro para fazer propaganda -
mas pode aumentar ainda mais o peso das cúpulas partidárias, caso estas
decidam aproveitar a mudança para aprovar, no Congresso, a criação de
um grande fundo de recursos públicos para financiar as disputas
eleitorais.
Levantamento feito pelo Valor Data, com base nas
prestações de conta das eleições de 2010, aponta os diferentes perfis de
distribuição do dinheiro arrecadado pelas direções nacionais de PT,
PMDB, PSDB e PSB, e indicam a existência de uma espécie de "lista
fechada informal". Ou seja, o modelo de votação apontado como
consequência quase que natural ao fim do financiamento privado já seria
praticado, de forma mais branda e por outros meios, pelas cúpulas
partidárias oligarquizadas.
Na lista fechada, o eleitor só vota
nas legendas e os dirigentes partidários é que determinam a ordem dos
candidatos que serão eleitos. Se a sigla conquistar, por exemplo, cinco
vagas para deputado federal, os cinco primeiros da lista preordenada
garantem o mandato. Esse modelo de votação tem sido apontado como uma
pré-condição à adoção do financiamento público exclusivo de campanha.
No
Brasil, a distribuição desigual para os candidatos do tempo de
propaganda eleitoral, no rádio e na TV, e das doações financeiras é um
dos instrumentos mais utilizados pelas cúpulas para terem algum controle
sobre quem será eleito.
O líder do PMDB na Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha (RJ), confirma e defende o tratamento diferenciado. "Você
não pode comparar o padrão de quem está na cúpula com quem não é. A
cúpula realmente é uma coisa que não é normal. Você não pode correr o
risco, por exemplo, de numa eleição, eu e o Henrique [Alves, presidente
da Câmara], que somos os dois maiores expoentes [do PMDB] na Casa, não
sermos eleitos. Não podemos nos expor tanto. Então, o partido acaba
assumindo o ônus de ter que ajudar mais", diz.
Na eleição de
2010, no entanto, Cunha e Alves não figuraram entre os que foram mais
beneficiados com repasses da direção nacional. Isso se explica, afirma o
deputado, porque a doação neste caso foi indireta, feita para o
diretório estadual do PMDB no Rio de Janeiro. Entre os quatro partidos
analisados, o PMDB é o segundo cuja direção, proporcionalmente, mais
repassou recursos para diretórios e comitês estaduais (31,5%), atrás do
PSB, cuja maior fatia - 37,8% - foi para estas instâncias.
O PT
nacional distribuiu quase metade do dinheiro (49,6%) para campanhas de
candidatos ao Legislativo (deputados federais, estaduais e senadores),
muito acima do PMDB (35,3%), PSDB (19%) e PSB (18,8%). A outra metade
foi para a campanha de Dilma Rousseff à Presidência (16,65%), para
candidaturas e direções de outros partidos (14%), para os concorrentes
petistas a governador (12,9%) e diretórios e comitês estaduais (6,9%), a
menor proporção nas sete categorias e entre os quatro partidos.
É
um contraste com o PSB, cujo traço marcante em 2010 foi o seu
fortalecimento no plano regional, ao eleger seis governadores. Por outro
lado, mesmo as doações para campanhas a deputado federal da sigla
refletem a estratégia estadual na hora de alocar os recursos. Entre os
mais beneficiados na lista fechada informal do PSB destacam-se vários
candidatos do Espírito Santo, onde o partido buscava - e conseguiu -
eleger Renato Casagrande como governador. "Tinha que ajudar o
Casagrande, propiciar uma base [política] para ele", afirma Alexandre
Cardoso, que renunciou ao quinto mandato de deputado federal ao se
eleger prefeito de Duque de Caxias (RJ), em 2012. Cardoso era presidente
do PSB fluminense, mas saiu e está sem partido, depois de discordar da
candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência
da República.
Para o prefeito, a distribuição dos recursos de
campanha pela cúpula "é uma decisão orgânica do partido, em que ele vê
qual o candidato que pode melhor representá-lo". "Essa é uma decisão que
mostra o seguinte: o partido tem esse poder, mesmo com a verba pública.
Quem ganhar verba pública, vai botar onde ele quiser", diz,
referindo-se à possibilidade de se adotar o financiamento exclusivamente
público de campanha a partir da decisão do STF. A votação no Supremo
foi interrompida por um pedido de vista, quando quatro ministros já
haviam proferidos votos favoráveis à derrubada das doações de empresas,
proposta por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB). O julgamento será retomado neste ano e mais
dois votos favoráveis - entre os sete que restam - já formarão a
maioria.
Alexandre Cardoso, que recebeu R$ 50 mil da conta
nacional do PSB, lembra que sua campanha não esteve entre as mais
beneficiadas porque ocorreu no Rio - Estado onde, afirma, os custos de
se chegar ao eleitor são mais baixos - e porque já era tida como
vitoriosa. A direção, neste caso, argumenta, tende a priorizar e
reforçar candidatos em situações mais difíceis, de acordo com
levantamento de pesquisas eleitorais.
O deputado federal Carlos
Zarattini (PT-SP) segue a mesma linha, mas pondera que a relação
custo/benefício pode levar o partido a ajudar um candidato que já tenha
uma estrutura e uma articulação melhor de campanha. "Vamos supor um
camarada que possa ter 200 mil votos. É interessante para o partido que
ele desenvolva esse potencial. O custo/benefício do voto dele é mais
barato do que um cara que tem pouco. O pequeno não resolve em três
meses. Campanha é tiro curto", afirma.
Zarattini foi o candidato a
deputado federal que recebeu o quarto maior repasse do PT nacional: R$
1,2 milhão. Nem todo o dinheiro, no entanto, foi arrecadado pelo
partido. Parte desse total - cujo valor exato o parlamentar afirma que
precisaria pesquisar - veio de doações que ele próprio conseguiu com
empresários.
É a chamada doação oculta, pela qual os doadores
preferem depositar na conta do partido, para evitar uma vinculação
direta com o político. Zarattini conta que o PT cobra um "pedágio" de 5%
dos candidatos que utilizam a conta do partido para receber dinheiro de
empresas. O PMDB não cobra a taxa, afirma Eduardo Cunha. Já no PSDB, o
percentual oscilaria entre 5% e 10%, diz o deputado federal e ex-tucano
Walter Feldman (PSB-SP), eleito pela legenda em 2010. "Nunca questionei
isso porque acho que tem funções partidárias também importantes", diz.
Feldman
afirma que há vários tipos de doações - embora para a opinião pública
prevaleça a ideia de que quase todas sejam doações ocultas de
empresários. Essa noção pressupõe que todo recurso repassado por
instâncias partidárias foi arrecadado pelos candidatos. "Tem várias
fórmulas. Eu me lembro que, na minha campanha, vários empresários
disseram: 'Walter, eu quero dar para o partido. Eu vou pedir para o
partido te dar, mas eu quero pelo partido, não quero uma relação direta.
Eu disse: 'Tá bom'. Agora, acho que tem alguns empresários que dizem o
seguinte: 'Vou dar para o partido e gostaria que você distribuísse para
três ou quatro deputados, sem citar nomes. Mas eu gostaria que você
desse porque eu já dei para o majoritário e também gostaria de dar para o
proporcional. Veja aí os nomes que vocês acham mais interessantes. Só
nos informa depois para a gente poder saber", conta.
Eduardo
Cunha acrescenta: "Às vezes nem informa". O parlamentar também afirma
que tem um "pouco de tudo" nos métodos de financiamento dos empresários:
doações ocultas para os candidatos e recursos que vão, de fato, para a
agremiação. "Tem aqueles que dizem: 'Vocês dão para quem vocês [do
partido] acharem melhor'. Eu diria que é meio a meio essa distribuição
[de recursos para candidatos e para a direção do partido]. Partido são
todos nós. Todos da cúpula ajudamos a trazer para todo mundo também,
quando é o caso. Às vezes, pede para todos, é assim que sempre
funcionou", diz.
Cunha afirma que os critérios de distribuição da
direção nacional para os candidatos são muitos e incluem, além da
influência na cúpula, fatores como o tamanho do eleitorado, se o tipo de
campanha que o filiado costuma fazer é mais ou menos barato e a
capacidade de arrecadação. Ao ser questionado porque a deputada Rose de
Freitas (PMDB-ES) foi a segunda mais beneficiada em 2010, o parlamentar
responde: "Tem candidato que tem mais dificuldade de captar sozinho.
Então pede mais ajuda. Outros conseguem se virar sozinhos". Rose, que já
ocupou a primeira vice-presidência na Câmara, arrecadou R$ 935,9 mil,
dos quais R$ 650 mil vieram da direção nacional; R$ 100 mil, do comitê
financeiro estadual para presidente da República; e R$ 59.680 foram
doados por ela mesma, o que perfaz 86% do total.
Ex-tesoureiro do
PSDB e ex-ministro no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge
afirma que os repasses não seguem um "processo lógico" e acontecem no
"calor da campanha". "Não tem um critério matemático, depende do momento
político, do momento da campanha, da influência na direção partidária.
Depende de mil coisas. O Estado também pode ter importância. Por
exemplo, quando o cara está num Estado onde o nosso partido só pode
fazer um candidato e está na bica [de se eleger]", diz.
A ajuda
do partido, no entanto, muitas vezes chega apenas no fim da campanha,
com grande conflito pelos recursos. É o que ressalta Zarattini, ao
lembrar que as decisões no PT são tomadas por um grupo estreito da
comissão executiva nacional e o tesoureiro. "Tem pressão pra caramba,
briga demais. Todo mundo vai lá chorar: 'Me ajuda aqui'. Ainda mais na
reta final", afirma.
O petista conta que as empresas costumam
doar apenas nas últimas semanas, "o que é mais cruel", porque o
candidato não consegue estruturar bem sua campanha no início, devido à
falta de previsibilidade. "É anarquia total, caos, desespero. Mas eu
imagino que na cabeça dos caras [empresários] funcione assim: 'Se eu
faço a doação em julho, ele [o candidato] vai voltar em setembro
[querendo mais]'", diz. A lógica funciona tanto para os candidatos
quanto para os partidos. "Na reta final é que tem esse recurso que vem
mais pelo partido, mas no primeiro e no segundo meses é sufoco. Precisa
arrancar leite de pedra", diz.
Walter Feldman compara as doações
de partidos para determinados candidatos à distribuição desigual do
tempo da propaganda no rádio e TV. "É evidente. Tem os candidatos
prioritários. Isso também aparece na propaganda eleitoral. Tem alguns
que tem mais tempo de TV, são puxadores. No financiamento é igual. E
isso é feito em reuniões fechadas, nunca em Executiva. É o Estado-maior.
O partido sabe aqueles que têm melhores condições ou quem está
precisando de um reforço adicional porque tem menos chance, tem uma
história que pode representar melhor o partido e a defesa dos interesses
políticos, das bandeiras", diz.
Na lista do PSB, a terceira mais
beneficiada foi a mãe de Eduardo Campos, Ana Arraes, que renunciou ao
mandato após ser eleita pela Câmara, em 2011, ministra do Tribunal de
Contas da União. O primeiro foi Júlio Delgado, a quem Campos confiou,
neste ano, a presidência do diretório de Minas Gerais, até então
comandado pelo ex-ministro Walfrido Mares Guia, próximo dos petistas e
simpático à reeleição de Dilma Rousseff.
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