quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Divisão de doações revela lista fechada informal - Cristian Klein

Valor Econômico - 09/01/2014

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) determinar o fim das doações de empresas para campanhas eleitorais causa apreensão entre políticos - que afirmam temer ficar sem dinheiro para fazer propaganda - mas pode aumentar ainda mais o peso das cúpulas partidárias, caso estas decidam aproveitar a mudança para aprovar, no Congresso, a criação de um grande fundo de recursos públicos para financiar as disputas eleitorais.

Levantamento feito pelo Valor Data, com base nas prestações de conta das eleições de 2010, aponta os diferentes perfis de distribuição do dinheiro arrecadado pelas direções nacionais de PT, PMDB, PSDB e PSB, e indicam a existência de uma espécie de "lista fechada informal". Ou seja, o modelo de votação apontado como consequência quase que natural ao fim do financiamento privado já seria praticado, de forma mais branda e por outros meios, pelas cúpulas partidárias oligarquizadas.

Na lista fechada, o eleitor só vota nas legendas e os dirigentes partidários é que determinam a ordem dos candidatos que serão eleitos. Se a sigla conquistar, por exemplo, cinco vagas para deputado federal, os cinco primeiros da lista preordenada garantem o mandato. Esse modelo de votação tem sido apontado como uma pré-condição à adoção do financiamento público exclusivo de campanha.

No Brasil, a distribuição desigual para os candidatos do tempo de propaganda eleitoral, no rádio e na TV, e das doações financeiras é um dos instrumentos mais utilizados pelas cúpulas para terem algum controle sobre quem será eleito.

O líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), confirma e defende o tratamento diferenciado. "Você não pode comparar o padrão de quem está na cúpula com quem não é. A cúpula realmente é uma coisa que não é normal. Você não pode correr o risco, por exemplo, de numa eleição, eu e o Henrique [Alves, presidente da Câmara], que somos os dois maiores expoentes [do PMDB] na Casa, não sermos eleitos. Não podemos nos expor tanto. Então, o partido acaba assumindo o ônus de ter que ajudar mais", diz.

Na eleição de 2010, no entanto, Cunha e Alves não figuraram entre os que foram mais beneficiados com repasses da direção nacional. Isso se explica, afirma o deputado, porque a doação neste caso foi indireta, feita para o diretório estadual do PMDB no Rio de Janeiro. Entre os quatro partidos analisados, o PMDB é o segundo cuja direção, proporcionalmente, mais repassou recursos para diretórios e comitês estaduais (31,5%), atrás do PSB, cuja maior fatia - 37,8% - foi para estas instâncias.

O PT nacional distribuiu quase metade do dinheiro (49,6%) para campanhas de candidatos ao Legislativo (deputados federais, estaduais e senadores), muito acima do PMDB (35,3%), PSDB (19%) e PSB (18,8%). A outra metade foi para a campanha de Dilma Rousseff à Presidência (16,65%), para candidaturas e direções de outros partidos (14%), para os concorrentes petistas a governador (12,9%) e diretórios e comitês estaduais (6,9%), a menor proporção nas sete categorias e entre os quatro partidos.

É um contraste com o PSB, cujo traço marcante em 2010 foi o seu fortalecimento no plano regional, ao eleger seis governadores. Por outro lado, mesmo as doações para campanhas a deputado federal da sigla refletem a estratégia estadual na hora de alocar os recursos. Entre os mais beneficiados na lista fechada informal do PSB destacam-se vários candidatos do Espírito Santo, onde o partido buscava - e conseguiu - eleger Renato Casagrande como governador. "Tinha que ajudar o Casagrande, propiciar uma base [política] para ele", afirma Alexandre Cardoso, que renunciou ao quinto mandato de deputado federal ao se eleger prefeito de Duque de Caxias (RJ), em 2012. Cardoso era presidente do PSB fluminense, mas saiu e está sem partido, depois de discordar da candidatura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à Presidência da República.

Para o prefeito, a distribuição dos recursos de campanha pela cúpula "é uma decisão orgânica do partido, em que ele vê qual o candidato que pode melhor representá-lo". "Essa é uma decisão que mostra o seguinte: o partido tem esse poder, mesmo com a verba pública. Quem ganhar verba pública, vai botar onde ele quiser", diz, referindo-se à possibilidade de se adotar o financiamento exclusivamente público de campanha a partir da decisão do STF. A votação no Supremo foi interrompida por um pedido de vista, quando quatro ministros já haviam proferidos votos favoráveis à derrubada das doações de empresas, proposta por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O julgamento será retomado neste ano e mais dois votos favoráveis - entre os sete que restam - já formarão a maioria.

Alexandre Cardoso, que recebeu R$ 50 mil da conta nacional do PSB, lembra que sua campanha não esteve entre as mais beneficiadas porque ocorreu no Rio - Estado onde, afirma, os custos de se chegar ao eleitor são mais baixos - e porque já era tida como vitoriosa. A direção, neste caso, argumenta, tende a priorizar e reforçar candidatos em situações mais difíceis, de acordo com levantamento de pesquisas eleitorais.

O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) segue a mesma linha, mas pondera que a relação custo/benefício pode levar o partido a ajudar um candidato que já tenha uma estrutura e uma articulação melhor de campanha. "Vamos supor um camarada que possa ter 200 mil votos. É interessante para o partido que ele desenvolva esse potencial. O custo/benefício do voto dele é mais barato do que um cara que tem pouco. O pequeno não resolve em três meses. Campanha é tiro curto", afirma.

Zarattini foi o candidato a deputado federal que recebeu o quarto maior repasse do PT nacional: R$ 1,2 milhão. Nem todo o dinheiro, no entanto, foi arrecadado pelo partido. Parte desse total - cujo valor exato o parlamentar afirma que precisaria pesquisar - veio de doações que ele próprio conseguiu com empresários.

É a chamada doação oculta, pela qual os doadores preferem depositar na conta do partido, para evitar uma vinculação direta com o político. Zarattini conta que o PT cobra um "pedágio" de 5% dos candidatos que utilizam a conta do partido para receber dinheiro de empresas. O PMDB não cobra a taxa, afirma Eduardo Cunha. Já no PSDB, o percentual oscilaria entre 5% e 10%, diz o deputado federal e ex-tucano Walter Feldman (PSB-SP), eleito pela legenda em 2010. "Nunca questionei isso porque acho que tem funções partidárias também importantes", diz.

Feldman afirma que há vários tipos de doações - embora para a opinião pública prevaleça a ideia de que quase todas sejam doações ocultas de empresários. Essa noção pressupõe que todo recurso repassado por instâncias partidárias foi arrecadado pelos candidatos. "Tem várias fórmulas. Eu me lembro que, na minha campanha, vários empresários disseram: 'Walter, eu quero dar para o partido. Eu vou pedir para o partido te dar, mas eu quero pelo partido, não quero uma relação direta. Eu disse: 'Tá bom'. Agora, acho que tem alguns empresários que dizem o seguinte: 'Vou dar para o partido e gostaria que você distribuísse para três ou quatro deputados, sem citar nomes. Mas eu gostaria que você desse porque eu já dei para o majoritário e também gostaria de dar para o proporcional. Veja aí os nomes que vocês acham mais interessantes. Só nos informa depois para a gente poder saber", conta.

Eduardo Cunha acrescenta: "Às vezes nem informa". O parlamentar também afirma que tem um "pouco de tudo" nos métodos de financiamento dos empresários: doações ocultas para os candidatos e recursos que vão, de fato, para a agremiação. "Tem aqueles que dizem: 'Vocês dão para quem vocês [do partido] acharem melhor'. Eu diria que é meio a meio essa distribuição [de recursos para candidatos e para a direção do partido]. Partido são todos nós. Todos da cúpula ajudamos a trazer para todo mundo também, quando é o caso. Às vezes, pede para todos, é assim que sempre funcionou", diz.

Cunha afirma que os critérios de distribuição da direção nacional para os candidatos são muitos e incluem, além da influência na cúpula, fatores como o tamanho do eleitorado, se o tipo de campanha que o filiado costuma fazer é mais ou menos barato e a capacidade de arrecadação. Ao ser questionado porque a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) foi a segunda mais beneficiada em 2010, o parlamentar responde: "Tem candidato que tem mais dificuldade de captar sozinho. Então pede mais ajuda. Outros conseguem se virar sozinhos". Rose, que já ocupou a primeira vice-presidência na Câmara, arrecadou R$ 935,9 mil, dos quais R$ 650 mil vieram da direção nacional; R$ 100 mil, do comitê financeiro estadual para presidente da República; e R$ 59.680 foram doados por ela mesma, o que perfaz 86% do total.

Ex-tesoureiro do PSDB e ex-ministro no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge afirma que os repasses não seguem um "processo lógico" e acontecem no "calor da campanha". "Não tem um critério matemático, depende do momento político, do momento da campanha, da influência na direção partidária. Depende de mil coisas. O Estado também pode ter importância. Por exemplo, quando o cara está num Estado onde o nosso partido só pode fazer um candidato e está na bica [de se eleger]", diz.

A ajuda do partido, no entanto, muitas vezes chega apenas no fim da campanha, com grande conflito pelos recursos. É o que ressalta Zarattini, ao lembrar que as decisões no PT são tomadas por um grupo estreito da comissão executiva nacional e o tesoureiro. "Tem pressão pra caramba, briga demais. Todo mundo vai lá chorar: 'Me ajuda aqui'. Ainda mais na reta final", afirma.

O petista conta que as empresas costumam doar apenas nas últimas semanas, "o que é mais cruel", porque o candidato não consegue estruturar bem sua campanha no início, devido à falta de previsibilidade. "É anarquia total, caos, desespero. Mas eu imagino que na cabeça dos caras [empresários] funcione assim: 'Se eu faço a doação em julho, ele [o candidato] vai voltar em setembro [querendo mais]'", diz. A lógica funciona tanto para os candidatos quanto para os partidos. "Na reta final é que tem esse recurso que vem mais pelo partido, mas no primeiro e no segundo meses é sufoco. Precisa arrancar leite de pedra", diz.

Walter Feldman compara as doações de partidos para determinados candidatos à distribuição desigual do tempo da propaganda no rádio e TV. "É evidente. Tem os candidatos prioritários. Isso também aparece na propaganda eleitoral. Tem alguns que tem mais tempo de TV, são puxadores. No financiamento é igual. E isso é feito em reuniões fechadas, nunca em Executiva. É o Estado-maior. O partido sabe aqueles que têm melhores condições ou quem está precisando de um reforço adicional porque tem menos chance, tem uma história que pode representar melhor o partido e a defesa dos interesses políticos, das bandeiras", diz.

Na lista do PSB, a terceira mais beneficiada foi a mãe de Eduardo Campos, Ana Arraes, que renunciou ao mandato após ser eleita pela Câmara, em 2011, ministra do Tribunal de Contas da União. O primeiro foi Júlio Delgado, a quem Campos confiou, neste ano, a presidência do diretório de Minas Gerais, até então comandado pelo ex-ministro Walfrido Mares Guia, próximo dos petistas e simpático à reeleição de Dilma Rousseff.

Nenhum comentário:

Postar um comentário