quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Ritmos diferentes de desenvolvimento mental‏ - Roberta Machado

Ritmos diferentes de desenvolvimento mental Segundo estudo, na adolescência, o cérebro das mulheres costuma passar por um processo de reorganização e amadurecimento mais cedo que o dos homens 

Roberta Machado
Estado de Minas: 09/01/2014


As meninas têm pressa. É normal que, durante o início da adolescência, as garotas sejam mais altas que os colegas do sexo oposto, exibindo também características de um físico precoce, contrastante em comparação com os corpos ainda infantis dos meninos da mesma idade. Embora a vantagem não dure muito tempo, não são raras as representantes do sexo feminino defensoras da teoria de que essa vantagem temporária na corrida do crescimento resulte também no desenvolvimento de um cérebro feminino mais maduro que o masculino antes mesmo da idade adulta. Como qualquer debate sobre diferenças de gênero, esse também é coberto de controvérsias.

Uma nova pesquisa vem colocar mais um ponto a favor da tese do amadurecimento feminino: de acordo com estudo feito por cientistas do Reino Unido, Alemanha e Coreia, o processo de refinamento das conexões neurais realmente se intensifica mais cedo na cabeça das mulheres do que na dos homens.

“Ao longo da vida, o cérebro não só ganha volume, ele amadurece de uma forma que possa alcançar eficiência e um funcionamento estável”, explica Sol Lim, pesquisadora da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Ao mudar as conexões de lugar e remover as que têm pouca utilidade, o órgão se torna mais eficiente e passa a se concentrar nos estímulos essenciais ao seu funcionamento. Embora esse processo tenha início nos primeiros anos de vida, é na adolescência que ele se intensifica. E isso acontece primeiro nas mulheres. Os homens, de acordo com a pesquisa assinada por Lim e colegas, levam alguns anos para atingir o clímax do amadurecimento cerebral.

A pesquisa examinou as imagens cerebrais de 121 voluntários de ambos os sexos, entre 4 e 40 anos. Ao tentar entender como os neurônios melhoram seu poder de comunicação ao longo da vida, os cientistas notaram um fenômeno naturalmente seletivo que ocorre em homens e mulheres. As sinapses curtas, concentradas em áreas especializadas, passam por anos de intensa transformação, sendo removidas, reforçadas, enfraquecidas e refeitas. Já as ligações mais longas, que unem o órgão como um todo, costumam ser preservadas.

Desapego Essa dinâmica recém-descoberta, chamada pelos estudiosos de desapego preferencial, é o que garante a integridade dos pensamentos e da coordenação motora de todas as pessoas, mesmo durante essa faxina cerebral. “É surpreendente, já que poderia haver outras formas de as conexões mudarem”, aponta Marcus Kaiser, professor de neuroinformática na Universidade de Newcastle e coautor do trabalho. Algumas das hipóteses consideravam a possibilidade de o cérebro contar um número considerável de longas conexões descartáveis, ou mesmo com um mecanismo que fosse capaz de compensar a reforma neural. “Em vez disso, a quantidade exata de conexões de longa distância existem desde o início, e elas permanecem estáveis durante o desenvolvimento”, resume Kaiser.

Os pesquisadores ressaltam que os atalhos que conectam os diferentes módulos e hemisférios do órgão são mais difíceis de se estabelecer e são também fundamentais para o desempenho cognitivo. Somente integrando a área motora e a sensível à dor se torna possível desenvolver, por exemplo, o reflexo que faz uma pessoa mover a mão quando toma um choque elétrico. Defeitos nesse tipo de conexão já foram encontrados em distúrbios como autismo, epilepsia e esquizofrenia.

O estudo não tinha como foco inicial mensurar a diferença do desenvolvimento masculino e feminino, por isso os pesquisadores não são capazes de apontar com precisão a diferença de idade para a aceleração de maturação. O artigo, contudo, afirma que os garotos só apertam o passo do refinamento cerebral “vários anos” depois das meninas, quando o processo de amadurecimento feminino já está em um estágio avançado.

Kaiser lembra que outros estudos mostram que garotas se desenvolvem mais cedo durante a adolescência, o que inclusive justificaria, para alguns pesquisadores, a tendência mais acentuada que os rapazes têm de se envolver em crimes e em acidentes automobilísticos em comparação com garotas da mesma idade. “Garotas têm um período similar de risco aumentado anos antes”, ressalta o neurocientista.


Ambiente Especialistas, no entanto, lembram que o processo não é igual para todas as pessoas, e que esse amadurecimento precoce pode não se manifestar em todas as meninas. “Apesar de haver um padrão geral nesse processo de desenvolvimento, ele não é igual para todas as pessoas. O ambiente é fundamental na organização do nosso cérebro. Estimulações adequadas em diferentes períodos do desenvolvimento são críticas nesse processo de maturação”, opina Carlos Tomaz, professor de neurociências da Universidade de Brasília (UnB).

Para Tomaz, que não participou da pesquisa, estudos que comparem culturas em que o papel da mulher é diferenciado podem ajudar a entender melhor a ação do meio no desenvolvimento mental feminino (leia Três perguntas para). “É preciso comparar quem teve as mesmas oportunidades. Porque, na verdade, nós humanos somos bem iguais, mas quem não é amamentado e depois é mal alimentado, por exemplo, não vai se desenvolver da mesma maneira”, concorda Jorge Quillfeldt, professor responsável pelo Laboratório de Psicobiologia e Neurocomputação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para o pesquisador, a diferença entre homens e mulheres é clara e, em grande parte, estimulada pelos hormônios responsáveis pela reprodução. “Não precisa de ciência para mostrar isso”, acredita Jorge Quillfeldt, que também é secretário-geral da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento. “Mas acho que há milhares de outros fatores que podem ser responsáveis por isso. Há razões evolutivas, biológicas, celulares, eletrofisiológicas e também, aqui, de conexões”, completa.

Três perguntas para...
Carlos Tomaz,
professor de Neurociências da Universidade de Brasília

Como podemos descrever esse processo de maturação do cérebro?
Ao nascermos, nosso cérebro ainda não está completamente formado, tanto do ponto de vista estrutural quanto funcional. Ao longo dos anos, até as duas primeiras décadas de vida, algumas células cerebrais vão desaparecer e outras vão se formar. Dessa forma, as conexões neurais vão se reorganizando, a fim de se tornarem mais eficientes com relação às demandas do ambiente. O nosso cérebro e sua relação com o comportamento precisa ser visto como uma via de duas mãos, em que o cérebro influencia o nosso comportamento, e esse modula o nosso cérebro. Assim sendo, o meio ambiente é fundamental nessa relação simbiótica.

O artigo afirma que um processo de reorganização ocorre mais cedo em mulheres do que em homens. Isso confirmaria a ideia de que as mulheres amadurecem mais cedo?
Diferenças de gênero são evidentes do ponto de vista comportamental. Isso, em parte, é reflexo da diferenciação cerebral entre homens e mulheres. Não resta dúvida de que essa diferença ocorre em função das pressões ambientais, como o papel esperado para cada gênero. Ademais, não podemos esquecer o papel dos hormônios sexuais no desenvolvimento cerebral. E, na mulher, esse efeito tem aparecido mais cedo, até mesmo como resultado das pressões sociais, que fazem com que a criança se torne mulher mais cedo.

Essas mudanças só ocorrem num ritmo diferente dos cérebros de ambos os gêneros ou o processo também é diferenciado para homens e mulheres?
Elas ocorrem em ritmo diferente. Em geral, na mulher, há um maior desenvolvimento de circuitos no hemisfério esquerdo. Isso a predispõe às habilidades relacionadas mais a esse hemisfério. Por exemplo, estudos realizados em nosso laboratório têm demonstrado maior ativação do hemisfério esquerdo de mulheres em reposta à estimulação emocional visuoespacial e verbal. Mas é importante lembrar que o cérebro é também moldado pelo meio ambiente, por aspectos sociais, educacionais e culturais. 

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