A diferença no olhar
Marina Colasanti
Estado de Minas: 09/01/2014
Começou a batalha do Oscar, os canhões já estão posicionados, vem aí chumbo grosso. Os filmes indicados só serão anunciados no dia 16, mas as apostas já estão correndo e, como manda a estratégia de mercado, os seis mais cotados chegarão pontualmente aos nossos cinemas entre janeiro e fevereiro. Mas na lista que aí vai há um fator que merece um segundo olhar.
O lobo de Wall Street marca a quinta dobradinha de Martin Scorsese dirigindo Leonardo DiCaprio. É um retrato do mundo econômico traçado pela história de um investidor da bolsa.
Trapaça conta as artimanhas de um trapaceiro de carteirinha, que servem ao diretor David O. Russel para recriar o clima dos anos 1970 nos EUA. O trapaceiro é Christian Bale.
Nebraska nos traz a história de um homem que, em busca de um prêmio, pretende cruzar os EUA a pé. Bruce Dern é dirigido por Alexander Payne.
Em Ela, Joaquin Phoenix faz o papel de um escritor que se apaixona por um computador. Quem dirige é Spike Jonze.
12 anos de escravidão é a produção modesta da vez, grande favorito à estatueta de melhor filme. Dirigido pelo inglês Steve McQueen, baseia-se na história verdadeira do violinista Solomon Northup, negro livre que foi sequestrado e vendido como escravo na Louisiana. Chiwetel Ejiofor faz o papel principal.
Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, usa a saga de um cantor pop decadente para retratar o universo folk dos EUA nos anos 1960.
Alguma mulher no pedaço? Alguma grande protagonista? Alguma diretora? Alguma história centrada em mulher? Há uma só nesta disputa, e tudo indica que não ganha. É Sandra Bullock, que na megaprodução Gravidade faz o papel de uma astronauta perdida no espaço. Ou seja, uma ficção científica, e uma mulher valente, mas sem rumo.
Quando a história pretende ser séria, quando Hollywood quer retratar uma época, um fenômeno social, um ponto de mudança, o faz por meio dos homens. São eles que nos contam a história e nos dizem como a fizeram. É o olhar masculino que torna válida a narrativa. As mulheres continuam limitadas ao papel de coadjuvantes. Até no amor uma mulher pode ser substituída por um computador, nem sequer um avatar, nem sequer uma boneca inflável de vaga semelhança. Uma máquina basta.
Tenho ido muito ao cinema nestes dias para escapar de alucinante sensação térmica. Domingo, fui ver o último filme de Catherine Deneuve, Ela vai. Duas mulheres – a diretora é Emmanuelle Bercot – nos levam por estradas da França, sem nenhum compromisso aparente, num road-movie que avança atendendo um desejo ou um chamado.
Podemos desdobrá-lo em vários conteúdos.
Há um belo discurso sobre o envelhecimento, tecido por diversas personagens. E um outro, duplo, sobre envelhecimento e beleza, da protagonista e da atriz, da personagem fictícia e da mulher real que a encarna, prolongado por um comovedor encontro de ex-misses regionais francesas convidadas para uma foto oficial.
E há um discurso sobre relações familiares, atritos e encontros, amores.
Como em um quadro impressionista, vai sendo desenhada a vida rural da França, com os pequenos centros, a política modesta, o grande almoço ao ar livre sob as árvores, os copos de vinho. Isso também é história, isso também é o social. A diferença está apenas no olhar.
Marina Colasanti
Estado de Minas: 09/01/2014
Catherine Deneuve interpreta a protagonista de road movie rodado na França |
Começou a batalha do Oscar, os canhões já estão posicionados, vem aí chumbo grosso. Os filmes indicados só serão anunciados no dia 16, mas as apostas já estão correndo e, como manda a estratégia de mercado, os seis mais cotados chegarão pontualmente aos nossos cinemas entre janeiro e fevereiro. Mas na lista que aí vai há um fator que merece um segundo olhar.
O lobo de Wall Street marca a quinta dobradinha de Martin Scorsese dirigindo Leonardo DiCaprio. É um retrato do mundo econômico traçado pela história de um investidor da bolsa.
Trapaça conta as artimanhas de um trapaceiro de carteirinha, que servem ao diretor David O. Russel para recriar o clima dos anos 1970 nos EUA. O trapaceiro é Christian Bale.
Nebraska nos traz a história de um homem que, em busca de um prêmio, pretende cruzar os EUA a pé. Bruce Dern é dirigido por Alexander Payne.
Em Ela, Joaquin Phoenix faz o papel de um escritor que se apaixona por um computador. Quem dirige é Spike Jonze.
12 anos de escravidão é a produção modesta da vez, grande favorito à estatueta de melhor filme. Dirigido pelo inglês Steve McQueen, baseia-se na história verdadeira do violinista Solomon Northup, negro livre que foi sequestrado e vendido como escravo na Louisiana. Chiwetel Ejiofor faz o papel principal.
Inside Llewyn Davis, dos irmãos Coen, usa a saga de um cantor pop decadente para retratar o universo folk dos EUA nos anos 1960.
Alguma mulher no pedaço? Alguma grande protagonista? Alguma diretora? Alguma história centrada em mulher? Há uma só nesta disputa, e tudo indica que não ganha. É Sandra Bullock, que na megaprodução Gravidade faz o papel de uma astronauta perdida no espaço. Ou seja, uma ficção científica, e uma mulher valente, mas sem rumo.
Quando a história pretende ser séria, quando Hollywood quer retratar uma época, um fenômeno social, um ponto de mudança, o faz por meio dos homens. São eles que nos contam a história e nos dizem como a fizeram. É o olhar masculino que torna válida a narrativa. As mulheres continuam limitadas ao papel de coadjuvantes. Até no amor uma mulher pode ser substituída por um computador, nem sequer um avatar, nem sequer uma boneca inflável de vaga semelhança. Uma máquina basta.
Tenho ido muito ao cinema nestes dias para escapar de alucinante sensação térmica. Domingo, fui ver o último filme de Catherine Deneuve, Ela vai. Duas mulheres – a diretora é Emmanuelle Bercot – nos levam por estradas da França, sem nenhum compromisso aparente, num road-movie que avança atendendo um desejo ou um chamado.
Podemos desdobrá-lo em vários conteúdos.
Há um belo discurso sobre o envelhecimento, tecido por diversas personagens. E um outro, duplo, sobre envelhecimento e beleza, da protagonista e da atriz, da personagem fictícia e da mulher real que a encarna, prolongado por um comovedor encontro de ex-misses regionais francesas convidadas para uma foto oficial.
E há um discurso sobre relações familiares, atritos e encontros, amores.
Como em um quadro impressionista, vai sendo desenhada a vida rural da França, com os pequenos centros, a política modesta, o grande almoço ao ar livre sob as árvores, os copos de vinho. Isso também é história, isso também é o social. A diferença está apenas no olhar.
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