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Hormônio feminino ameniza a epilepsia
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 23/01/2014
Um tipo de hormônio
sexual feminino pode ajudar a diminuir a quantidade de convulsões em
crianças portadoras de uma grave forma de epilepsia. Ligado ao ciclo
menstrual e gestacional, o estrogênio também tem importantes
propriedades neuroprotetoras. O estradiol, um subtipo do hormônio, foi
usado em camundongos com a mesma mutação genética que causa a síndrome
e, segundo os resultados obtidos na Faculdade de Medicina Baylor, em
Houston (EUA), a substância é capaz de prevenir a epilepsia ao alterar o
circuito neuronal de forma permanente.
O artigo, publicado hoje
na Science Translational Medicine, sugere que, no futuro, seja possível
que o tratamento hormonal possa melhorar o desenvolvimento anormal dos
neurônios responsáveis pelas crises. Para chegar a esses resultados, a
equipe do Laboratório de Neurogenética Desenvolvimentista Blue Bird
Circle, do Departamento de Neurologia da instituição, fez experiências
com cobaias modificadas geneticamente para apresentar a mesma síndrome
observada em humanos.
Doses do hormônio similares ao que é
entregue a um bebê ainda dentro do ventre materno por meio da corrente
sanguínea foram dadas aos ratinhos logo após o nascimento. Isso porque
outras tentativas mostraram que, se o início do tratamento fosse
postergado para quando os animais tivessem 30 dias, ele não teria mais
efeito. “Acreditamos que a principal razão para o estradiol
aparentemente só funcionar quando aplicado no início da vida é porque,
depois de um certo ponto, as redes no cérebro são estabelecidas e deixam
de responder ao hormônio da mesma maneira”, imagina Jeffrey Noebels,
líder do estudo.
A necessidade de o tratamento ser praticamente
imediata poderá ser acompanhada se um dia a terapia for transposta para
humanos. Como essa síndrome tem um marcador genético, pode ser detectada
no bebê antes mesmo do nascimento, o que facilitaria um possível início
precoce do tratamento. No entanto, Marino Bianchin, neurologista do
Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, alerta que é muito cedo para pensar nos
resultados com humanos, apesar de a técnica ser muito promissora.
Segundo
Bianchin, o trabalho traz resultados muito interessantes do ponto de
vista de evolução do tratamento, mostrando que é possível corrigir, com
terapia hormonal, um defeito de organização dos neurônios no córtex.
“Esse tratamento faz com que algumas redes neuronais que são deficientes
nesse tipo de doença se normalizem. Eles (os pesquisadores) mostram que
essa terapia aplicada precocemente, às vezes antes mesmo da primeira
crise, pode modificar as redes neuronais de uma forma mais permanente”,
considera o neurologista.
Cérebro moldado Noebels detalha que,
durante o desenvolvimento inicial, precursores de neurônios migram para
os locais de instalação finais, formando uma série de novas conexões.
Esse processo é, em parte, influenciado por hormônios capazes de moldar
regiões cerebrais. O mesmo que fez o estradiol: moldou regiões a
princípio “defeituosas” para que funcionassem normalmente na vida
adulta. Porém, segundo Noebels, o processo é limitado e rápido.
Eventualmente, as alterações não podem mais ser realizadas.
Segundo
ele, essa associação das crises epilépticas com a carga hormonal,
principalmente a feminina, não é uma novidade. Mulheres com epilepsia
costumam ter um número de crises que varia conforme o ciclo menstrual.
“A gente sabe também que o estrogênio é um hormônio que facilita o
aparecimento de crises. A progesterona, bastante presente durante a
gravidez, pode inibi-las. Por isso, temos hoje alguns tratamentos feitos
a base de hormônios.”
No caso do estudo norte-americano, nos
primeiros momentos de vida, foi percebido o efeito inverso, ou seja, o
bebê teve as crises reduzidas, assim como a progressão da doença quando o
estradiol foi ministrado. “E tem um efeito diferente também. Ajuda a
corrigir um defeito genético presente na cobaia”, acrescenta Noebels.
Diferentemente
de pacientes epilépticos mais comuns, que têm crises esporádicas e,
muitas vezes, nenhuma crise se medicados, pacientes com esse subtipo da
doença – mais comum em meninos – podem sofrer várias crises em um único
dia. A condição já está associada com um desenvolvimento ruim do
cérebro. As convulsões, somadas a esse problema, fazem com que a criança
tenha um retardo grave no crescimento, com dificuldades em aprender a
andar ou falar. “Precisamos considerar que qualquer tipo de terapêutica
desenvolvida nesse sentido pode trazer grande ajuda”, avalia Bianchin.
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