MARINA COLASANTI »
O barato chamado flow
"É um êxtase, uma epifania causada pela liberação de substâncias neuroquímicas"
Marina Colasanti
Estado de Minas: 23/01/2014
O jovem professor
trabalhava há mais de ano em sua tese de doutoramento. Tudo havia sido
lido e fichado, grande parte havia sido escrita, faltava porém encontrar
o eixo ao redor do qual as ideias se aglutinariam levando a um sentido
maior. Decidiu afastar-se daquilo, viajou. Na volta, espalhou as folhas
pelo chão da sala, correndo o olhar por elas, lendo um e outro trecho,
encharcando-se daquele conteúdo. E de repente, como se alguma coisa se
desatasse na sua cabeça, percebeu o eixo claramente. Seu coração estava
acelerado, as veias da testa latejavam, sentia-se capaz de desvendar os
mistérios do mundo. A sensação era tão intensa, que teve medo de morrer.
Molhou a cabeça, os pulsos. Só depois começou a trabalhar.
Havia vivenciado um flow. Nem soube disso, estava nos anos 1960, e só na década seguinte o flow seria descoberto e nomeado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Hoje, vamos criando intimidade com ele, enquanto o termo se prepara para entrar na moda.
Chama-se flow ao estado de consciência próximo da plenitude, em que o corpo – ou a mente – parece agir por conta própria, levando seu proprietário a atingir performances inimagináveis. É um êxtase, uma epifania causada pela liberação de substâncias neuroquímicas, em estados de extremo estresse. E é viciante.
Este barato autoproduzido, que não passa pela farmácia, está sendo estudado nos atletas envolvidos em esporte de alto risco. Mas não nos deixemos enganar, muitas outras situações podem provocá-lo.
Quem viu O lobo de Wall Street só não percebeu a presença do flow se ainda não tinha sido apresentado a ele. Não é o efeito das drogas que as personagens consomem constantemente, não é a excitação sexual sempre presente, não é o prazer do poder, não é nem mesmo a euforia pelo dinheiro em si – que Jordan, ou Leonardo di Caprio, chega a jogar pela janela. O que leva o cérebro do jovem corretor da bolsa a liberar as tais substâncias é a intensidade do jogo na compra/venda das ações, em que, como numa luta pela sobrevivência, só é permitido vencer.
Noventa por cento do sucesso de atletas de alta performance é mental, afirmam psicólogos especializados em esporte, embora reconhecendo não saber como isso funciona. E penso na guerra, na conversa que tive com o jovem marine americano de férias no Rio depois de dois anos servindo no Iraque. Lembro-me de ele contar como, entrando num cômodo escuro em zona inimiga, com os olhos ainda ofuscados pela luz exterior, não cabem averiguações, é preciso atirar logo no que se move, antes que o que se move atire em você. Esse também é um estado de desempenho máximo em que o corpo parece agir sozinho. Como para os atletas, foi treinado longamente, o trabalho da mente sendo a parte mais importante do treino. Se o rapaz não me relatou qualquer sentimento de plenitude, foi provavelmente por pudor. Poderíamos, então, considerar flow a extrema emoção do soldado em luta? Uma coisa é certa, basta olhar a história para perceber que guerra é viciante.
E seria flow um novo nome para paixão? Também trata-se de sobrevivência, pois o coração nos garante que morreremos se não houver retribuição. O risco é altíssimo, o estresse é absoluto, mente e corpo não nos obedecem. E o estado que atingimos pode ser bem mais que a plenitude, pode ser o nirvana.
Havia vivenciado um flow. Nem soube disso, estava nos anos 1960, e só na década seguinte o flow seria descoberto e nomeado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. Hoje, vamos criando intimidade com ele, enquanto o termo se prepara para entrar na moda.
Chama-se flow ao estado de consciência próximo da plenitude, em que o corpo – ou a mente – parece agir por conta própria, levando seu proprietário a atingir performances inimagináveis. É um êxtase, uma epifania causada pela liberação de substâncias neuroquímicas, em estados de extremo estresse. E é viciante.
Este barato autoproduzido, que não passa pela farmácia, está sendo estudado nos atletas envolvidos em esporte de alto risco. Mas não nos deixemos enganar, muitas outras situações podem provocá-lo.
Quem viu O lobo de Wall Street só não percebeu a presença do flow se ainda não tinha sido apresentado a ele. Não é o efeito das drogas que as personagens consomem constantemente, não é a excitação sexual sempre presente, não é o prazer do poder, não é nem mesmo a euforia pelo dinheiro em si – que Jordan, ou Leonardo di Caprio, chega a jogar pela janela. O que leva o cérebro do jovem corretor da bolsa a liberar as tais substâncias é a intensidade do jogo na compra/venda das ações, em que, como numa luta pela sobrevivência, só é permitido vencer.
Noventa por cento do sucesso de atletas de alta performance é mental, afirmam psicólogos especializados em esporte, embora reconhecendo não saber como isso funciona. E penso na guerra, na conversa que tive com o jovem marine americano de férias no Rio depois de dois anos servindo no Iraque. Lembro-me de ele contar como, entrando num cômodo escuro em zona inimiga, com os olhos ainda ofuscados pela luz exterior, não cabem averiguações, é preciso atirar logo no que se move, antes que o que se move atire em você. Esse também é um estado de desempenho máximo em que o corpo parece agir sozinho. Como para os atletas, foi treinado longamente, o trabalho da mente sendo a parte mais importante do treino. Se o rapaz não me relatou qualquer sentimento de plenitude, foi provavelmente por pudor. Poderíamos, então, considerar flow a extrema emoção do soldado em luta? Uma coisa é certa, basta olhar a história para perceber que guerra é viciante.
E seria flow um novo nome para paixão? Também trata-se de sobrevivência, pois o coração nos garante que morreremos se não houver retribuição. O risco é altíssimo, o estresse é absoluto, mente e corpo não nos obedecem. E o estado que atingimos pode ser bem mais que a plenitude, pode ser o nirvana.
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