segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Lições de Pepe Mujica - Emiliano José

A Tarde/BA 13/01/2014

Emiliano José
Jornalista e escritor
emiljose@uol.com.br





Nessa onda neoudenista predominante no país, que recende ainda ao lacerdismo dos anos 50, é forte a ideia da desqualificação da política. Sabemos aonde chegamos com tal discurso, derrotado pelo suicídio de Getúlio em 1954, e revigorado com a emergência da ditadura que prendeu, torturou, fez desaparecer pessoas durante 21 anos. Agora, desde a chegada de Lula ao governo em 2003, reeleito, e com a eleição de Dilma em 2010, um projeto político que deu prioridade ao enfrentamento da desigualdade social como nunca se vira antes, parece que voltamos no tempo.

É necessário fazer cotidianamente o combate à corrupção. É obrigação de qualquer homem ou mulher envolvido na política. No entanto, tornar essa a questão central da vida brasileira é empobrecer o debate sobre os destinos do país. E, também, significa a ausência de projetos consistentes da oposição que, à falta da coragem de pregar o retorno aos anos anteriores de predomínio da política neoliberal, só fala nisso. É curioso, ainda, assistir a políticos que assumiram postos de comando no governo de Lula e de Dilma, e que só agora se desgarraram, criticar a amplitude da frente política de que fizeram parte, como se, inclusive neste momento, não articulassem frentes tão ou mais amplas do que as feitas pela presidente Dilma.

Deparei com uma notável entrevista de Pepe Mujica, dada ao jornalista Antoni Travera, postado no El Puercoespín, onde ele discute, entre outras coisas, o fazer política nesta quadra histórica. O hipócrita discurso neoudenista pretende realizar a crítica de costumes da política brasileira. Há um ditado popular, facilmente aplicável ao caso: macaco não olha para o próprio rabo. Por que o neoudenismo não incorpora a ideia de uma reforma política profunda, que acabe de vez com o câncer do financiamento privado, assegurando o fortalecimento dos partidos, acabando com a farra das legendas de aluguel? Os partidários do neoudenismo fogem da reforma política como o diabo da cruz.


No Uruguai, Mujica defronta-se com as mesmas críticas enfrentadas por Lula e por Dilma. Por que não ensinar a pescar ao invés de dar o peixe? O Bolsa Família era chamado pelos formuladores do discurso neoudenista de “bolsa esmola”, lembram-se? “Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe ao povo, que se deve ensiná-lo a pescar. Mas, se lhe tiramos o barco, os anzóis, a vara de pescar, tiramos tudo, temos que começar por lhe dar o peixe”. E dá uma lição de política ao dizer que é obrigado a conviver com tudo aquilo que ele próprio detesta. “A vida é bela (demasiado hermosa, na expressão dele) e há que se procurar fazer as coisas enquanto a sociedade real funciona, embora seja capitalista”. Ou seja, há que se fazer política.

Não crê no conformismo crônico de que reformando o capitalismo a sociedade tenha muito futuro. Propõe caminhar no sentido de construir outra coisa, evitando-se, no entanto, a colisão “porque o choque é sacrifício humano”. Deixa claro: não é possível substituir as forças produtivas de um dia para o outro, “nem em 10 anos”. “Ao mesmo tempo que lutamos para transformar o futuro, há que se fazer andar o velho porque o povo tem de viver”. Não crê que o mais importante, no processo de mudanças, sejam as relações de propriedade. “O fundamental são as transformações culturais, e estas levammuitíssimo tempo”. Um claro acento gramsciano, assimilado nos seus 15 anos de cárcere, 78 anos de vida.

“Aqueles que como nós não podemos comungar filosoficamente com o capitalismo estamos arrodeados de capitalismo em todos os usos e costumes de nossas vidas, de nossas sociedades” – constata Mujica. Ensina aos pares de esquerda: “O pensamento de esquerda está se refugiando na América Latina. Só não cremos que podemos tocar o céu com as mãos, nem que construir uma sociedade mais justa e mais livre seja coisa de uma só geração. O desafio é bravo. Há quem ainda siga com aquilo que dizíamos nos anos 50 do século passado. Não assimilaram o que se passou no mundo e por que se passou”. Resta a amplitude da política, a paciência da política, transformar o mundo trincheira por trincheira.

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