O despertar da caçadora de cometas
Sonda enviada ao espaço em 2004 com o objetivo de estudar um cometa volta a funcionar depois de passar dois anos e meio desligada para poupar energia. Encontro com a rocha gelada deve ocorrer em novembro
Estado de Minas: 21/01/2014
Ilustração mostra o robô Philae na superfície do asteroide: estudo da rocha espacial trará informações sobre formação do Sistema Solar |
Brasília – Rosetta partiu da Terra há quase 10 anos, em março de 2004, para uma viagem solitária. Passou por Marte, avistou de perto dois asteroides e, depois de viajar por sete anos e percorrer mais de 800 milhões de quilômetros, aproximando-se de Júpiter, teve direito a um merecido descanso. Dormiu por dois anos e meio, até que despertou ontem, para cumprir a fase final e mais importante de sua missão: conhecer de perto um cometa e, assim, ajudar os cientistas a desvendar a origem do Sistema Solar e da vida no Planeta Azul.
A viajante espacial é uma sonda enviada pela Agência Espacial Europeia (ESA) rumo ao cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. O encontro está marcado para novembro, quando, depois de se aproximar da rocha gelada, Rosetta liberará um pequeno aparelho de 100 quilos, o Philae, que pousará sobre o 67P. Munido de 10 instrumentos científicos, Philae fornecerá informações preciosas e detalhadas sobre o objeto cósmico. Isso, obviamente, se tudo continuar ocorrendo como programado.
Imprevistos em missões espaciais são comuns. Do lançamento até o destino, pequenas falhas podem colocar tudo a perder. Por isso, o dia foi tenso no Centro Europeu de Operações Espaciais, em Darmstadt, na Alemanha. Depois de ter quase todos os equipamentos desligados em junho de 2011 – uma medida importante para poupar energia e garantir o fim da missão –, a sonda estava programada para despertar ontem, às 8h no horário de Brasília.
Todo o procedimento, incluindo o de desdobrar seus painéis solares de 14 metros de comprimento, precisava ser executado pela própria máquina, que manteve em funcionamento durante a hibernação apenas algumas partes, como o sistema de energia e relógio do computador principal, que fez o papel de despertador. Não havia nada que os cientistas pudessem fazer da Terra, a não ser torcer para que tudo saísse como previsto. Para aumentar a aflição, a sonda precisava de sete horas para colocar todos os componentes novamente em operação. Só então os responsáveis pela missão de 1,3 bilhão de euros saberiam que tudo estava bem.
A boa notícia chegou por volta das 16h20, para alívio geral. O centro de comando recebeu o sinal de Rosetta, e os técnicos vibraram e aplaudiram. Na conta mantida pela ESA no Twitter e alimentada como se a própria sonda estivesse se comunicando com os internautas (@ESA-Rosetta), logo surgiu a mensagem: “Olá, mundo!” “Agora, cabe a nós dirigi-la até o cometa”, confirmou, ao jornal britânico The Guardian, Andrea Accomazzo, gerente de Operações de Veículos Espaciais da ESA.
Vida Tanto esforço é justificado porque os cientistas estão convencidos de que conhecer melhor os cometas pode levar a uma melhor compreensão de como se formou o Universo e o Sistema Solar. Desde que o Sol e os corpos que o orbitam surgiram, há 4,6 bilhões de anos, essas rochas cobertas de gelo pouco mudaram. Estudá-las, portanto, é uma espécie de arqueologia espacial.
“Abrir essas cápsulas do tempo e observar o gás, a poeira e, particularmente, o gelo de que são feitos fornece grandes pistas sobre a origem do nosso Sistema Solar e, potencialmente, até sobre a vida”, explicou à agência France-Presse o astrofísico Mark McCaughrean. “Essa cápsula do tempo está fechada há 4,6 bilhões de anos. Chegou o momento de abrir a arca do tesouro”, acrescentou. Quando menciona o surgimento da vida, McCaughrean se refere a uma hipótese de que a queda de cometas na Terra foi fundamental para a criação das condições que possibilitaram o aparecimento de organismos no planeta.
Há também um motivo para que o 67P tenha sido o cometa escolhido: o objeto passou bilhões de anos no espaço profundo até que uma passagem perto de Júpiter mudou radicalmente sua órbita em 1959. Dito de outra forma, ele quase não sofreu erosão dos raios solares e seu testemunho sobre o Universo promete ser particularmente compreensível.
Manobras Atualmente, a sonda está próxima a Júpiter. Para chegar lá, circundou três vezes a Terra e uma vez Marte, usando o empuxo gravitacional dos planetas como um estilingue para ganhar velocidade. “Tivemos que circundar o Sol cinco vezes em diferentes órbitas para ganhar velocidade”, explicou Paolo Ferri, diretor da missão solar e planetária da ESA.
Agora que acordou, Rosetta realizará, progressivamente, manobras de frenagem e aceleração a fim de seguir o rastro do cometa 67P. Em agosto, a nave será colocada em uma órbita a apenas 25 quilômetros sobre o cometa, usando 11 câmeras, radar, micro-ondas, infravermelho e outros sensores para esquadrinhar sua superfície.
Finalmente, em novembro, a missão deverá atingir seu ponto de maior tensão. O robô-laboratório Philae, do tamanho de uma geladeira, se desprenderá da sonda que o leva e pousará na superfície acidentada do cometa para realizar experimentos. “Queremos saber tudo sobre o cometa, seu campo magnético, sua composição, sua gravidade, sua temperatura, tudo!”, disse Amalia Ercoli-Finzi, encarregada de um dos muitos experimentos que integram o programa.
Hieróglifos
O nome da sonda é uma citação à Pedra de Roseta, um pedaço de basalto vulcânico descoberto por soldados franceses no Egito em 1799. A peça, hoje no British Museum, em Londres, traz inscrições, incluindo hieróglifos e textos em grego. Ao comparar as duas línguas, historiadores puderam começar a desvendar o significado dos símbolos utilizados pelos antigos egípcios.
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