Zero Hora 01/01/2014
Ao reler o livro A alma imoral, do rabino Nilton Bonder, encasquetei com
uma expressão que, na primeira leitura, feita anos antes, não havia me
despertado a atenção – e isso explica a razão de releituras serem
necessárias, pois acontecem num outro momento da vida, em que o que não
era relevante passa a ser. E nem preciso dizer que essa predisposição à
releitura deveria existir para tudo, não só para livros.
Mas retornando ao ponto.
No livro, o rabino diz que muitos dos nossos sacrifícios e esforços
são oferendas ao nada. Oferendas ao nada. Foi esta a expressão que me
fez refletir sobre a quantidade de privações e abstinências a que nos
submetemos e que têm serventia nula. Zero.
Todo novo ano que se inicia é um convite a uma releitura de si
mesmo. Você já passou pelos mesmos janeiros e fevereiros e marços que aí
vêm, os mesmos carnavais e páscoas, as mesmas mordidas do Leão, as
mesmas estações, o mesmo do mesmo. Se daqui para frente queremos extrair
alguma novidade de fato, ela virá da nossa maneira de encarar a vida,
de desfrutá-la com mais proveito.
Então, que se oferende flores à Iemanjá, já que rituais de otimismo e
fé não fazem mal a ninguém, e que se oferte abraços e bons votos aos
amigos, já que a alegria é uma energia que vale a pena ser trocada, e
que a gente doe sempre o que temos de melhor, aquilo que nos movimenta –
e não o que nos trava.
A timidez, por exemplo. O que a timidez tem feito por você? Ela
impede que você se relacione olho no olho, que arrisque uma conversa com
um desconhecido, que apresente aos outros seu trabalho, suas propostas,
suas ideias. Orgulhar-se da sua timidez, colocando-a num altar, é fazer
uma oferenda ao nada.
O que a culpa tem feito por você? Tem impedido você de se
responsabilizar pelos seus atos e renegociar com a vida, tem trancafiado
você em casa, obrigando-o a lidar incessantemente com questões
passadas, tem envelhecido você, consumido você, paralisado você, e você
ainda se ajoelha e reza para cultuá-la. Outra oferenda ao nada.
O que a insegurança tem feito por você? Nada. O que o medo tem feito por você? Nada.
O narcisismo, menos ainda. Cultuando esse deus chamado “Eu”, você
não olha para fora, não exercita a solidariedade, não considera o
sentimento dos outros, não compreende, não perdoa, não evolui. Oferece a
si próprio uma homenagem patética, fica preso a uma energia que não
circula, não realiza troca alguma. Joga flores para a solidão.
Que em 2014 consigamos romper com nossos receios sobre o que os
outros irão pensar de nós, com o que não nos traz retorno, com o que não
nos insere no universo de uma forma mais efetiva e bonita. Chega de
cultuar impedimentos. Façamos, para variar, oferendas ao risco.
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