sábado, 25 de janeiro de 2014

Superlotação carcerária - Leonardo Isaac Yarochewsky

Superlotação carcerária
 
A prisão deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, só em casos extremados


Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado criminalista, doutor em ciências penais

Estado de Minas: 25/01/2014



Não é de hoje que o caos e as mazelas do sistema carcerário brasileiro são notórios e de conhecimento público, o que por si só dispensa provas. Inúmeros mutirões, censos e forças-tarefas já foram realizados para chegar à conclusão sabida de todos: o sistema carcerário brasileiro está falido. Falido, o mesmo que arruinado, arrasado, demolido, desmantelado etc. Desse modo, é necessário que um novo modelo seja pensado sem as amarras e vícios do atual sistema penitenciário.

No que se refere ao problema da superpopulação carcerária é preciso destacar que entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil saltou de 148 mil presos para 361.402, um crescimento de 143,91% em uma década. Já nos últimos cinco anos, segundo relatório divulgado ontem (21/1/2014) pela Human Rights Watch, a população carcerária cresceu 30%. Hoje a população carcerária está em torno de 550 mil presos, 274 para cada 100 mil habitantes. O Brasil, em números absolutos, possui a quarta maior população carcerária do planeta, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Rússia. O déficit carcerário está próximo de 250 mil vagas. A situação se agrava com a entrada em média de 3 mil novos presos por mês no sistema. Aspecto que, também, contribui muito para este caos é o número de presos provisórios, ou seja, que não foram condenados definitivamente por uma sentença transitada em julgado. Infelizmente, as prisões provisórias (prisão temporária, prisão preventiva etc.), que deveriam ser uma exceção, se transformaram em regra em flagrante violação ao princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência.

Sem pretender justificar, mas tão somente tentar explicar, situações em que o preso é tratado como animal nocivo e colocado em lugares mórbidos, fétidos e cruéis, levam inevitavelmente a reações como as que vêm ocorrendo, por exemplo, em São Luís do Maranhão.

Como bem observa Maria Lúcia Karam, no livro Dos crimes, penas e fantasias, “grande parte desses homicídios brutais entre os próprios presos nasce da convivência forçada, que faz com que qualquer incidente, qualquer divergência, qualquer desentendimento, qualquer antipatia, qualquer dificuldade de relacionamento, assumam proporções insuportáveis. O desgaste da convivência entre pessoas que, eventualmente, não se entendam, aqui é inevitável. As pessoas que não se ajustam, os inimigos são obrigados a se ver todos os dias, a ocupar o mesmo espaço, o que, evidentemente, acirra os ânimos, eleva a tensão, exacerba os sentimentos de ódio, levando, muitas vezes, a que um preso mate outro, por motivos aparentemente sem importância”.

É forçoso que se entenda, de uma ver por todas, que punição não é sinônimo de prisão e que existem inúmeros casos em que ela pode ser substituída por outra pena que não pela ultrapassada pena de privação da liberdade.

Contudo, é comum encontrarmos nas prisões brasileiras pessoas que foram condenadas por crimes de bagatela ou por tráfico, em razão da má aplicação da lei de drogas, que, também, não distingue como deveria o referido crime. Hoje cerca de 1/5 da população carcerária é de pessoas condenadas por “tráfico” de drogas. Ocorre que a maioria dessas pessoas, na verdade, não passam de meros usuários ou pequenos “traficantes”, que, muitas vezes sem intenção de lucro ou de meio para sua subsistência, cedem pequena quantidade de droga a terceiros.

Nunca é demais advertir que as penas restritivas de direitos apresentam inúmeras vantagens em relação às penas privativas de liberdade, como, por exemplo, a redução do alarmante índice de reincidência, cerca de 70%, em relação aos que cumprem pena privativa de liberdade, e menos de 5% entre aqueles que tiveram sua pena privativa de liberdade substituída pela pena restritiva de direitos. Isso para não falar dos reconhecidos males da prisão como universidade do crime e fábrica de delinquentes.

E para os que só pensam em economia é bom lembrar que o custo das penas restritivas de direitos para a sociedade é infinitamente menor do que o de manter uma pessoa presa por vários anos. Repita-se, a prisão deve ser o último recurso do Estado na contenção da criminalidade e, mesmo assim, somente empregada em casos extremados em que não há outro remédio menos danoso para o indivíduo e para a sociedade. Enquanto o estado e a sociedade não entenderem dessa forma, situações como a que ocorreu no Maranhão e que vêm se repetindo ao longo dos anos, serão inevitáveis.

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