segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Joana‏

Joana 
 
Raras vezes li um livro tão emocionante, que deve ter vendido pouco no país de Edir Macedo e Paulo Coelho 

 
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/02/2014




Maurício Goulart (1908-1983) nasceu em Petrópolis, foi jornalista, escritor, político e nos deixou, entre outras, a seguinte frase: “Milton Campos é a postura num país de imposturas”. Teve larga atuação na Revolução de 1930 até que em 1935 se ligou à Aliança Nacional Libertadora (ALN) e foi preso três vezes durante o Estado Novo. Mais tarde, construiu usina de açúcar em Fronteira, lugar lindíssimo da divisa de Minas com São Paulo, foi deputado federal e era amigo do meu pai. No Rio de Janeiro, o deputado federal hospedava-se no Hotel Glória e sempre dava um jeito de jantar uma vez por semana em casa de meu pai, onde o conheci e assisti a uma cena impressionante sobre o envolvimento emocional do autor com um personagem de seu livro. Certa noite, quando cheguei para filar o jantar paterno, já o encontrei tomando seu uísque vespertino. Associei-me a ele no uísque enquanto esperávamos a chegada do dono da casa. De repente, o deputado e usineiro desanda a chorar, mas chorar com força, em pranto convulsivo. Assustado, perguntei: “O senhor está passando mal?”. E ele, soluçando: “Acabei de matar Joana”. No Hotel Glória, antes de tomar um táxi para jantar em casa do seu amigo, o autor concluíra seu livro Joana, mais tarde Prêmio Jabuti, oficialmente “literatura infantil”, mas um clássico que li emocionado e ouso comparar ao Pequeno Príncipe. Raras vezes li um livro tão emocionante, que deve ter vendido pouco no país de Edir Macedo e Paulo Coelho. Anos atrás, encontrei seis exemplares num sebo virtual, comprei-os e ainda devo ter dois nas estantes. Aproveitei para reler a obra-prima de Goulart e me lembrei do seu pranto na tarde/noite em que matou Joana.

Matinais
Você pode comprar uma testeira Nike por R$ 29, ou, se preferir, por 1 x R$ 29. Se a testeira fica na testa do redator do anúncio, o que há por trás dela, na cabeça de quem escreveu o reclame, não é boa coisa. Vi o anúncio no provedor de internet, que me provê das maiores excentricidades. Curioso, vou ao Houaiss para descobrir os diversos significados de testeira: a parte dianteira; frente, testada – a parte da cabeçada que cinge a testa da cavalgadura; topeteira – tira de pano que se coloca na testa dos recém-nascidos – tira de pano branco que se prega na touca das religiosas e lhes assenta sobre a cabeça – cada uma das partes mais estreitas de uma mesa, caixão, moldura etc.; cabeceira – tábua corrida de arremate que é pregada no topo dos caibros que constituem a aba do telhado – peça de madeira que faz parte do fole – mesmo que testico – êmbolo que, no ato da fundição, comprime e lança no molde da linotipo o chumbo em fusão. Testico não é o que estamos pensando. É cada uma das duas peças da serra a que se prendem o cairo e a folha; testeira, texto. Aí, você pensa que cairo é erro de digitação para caibro, vai pesquisar e descobre que é o cordel que prende os testicos da serra. Mas em Angra você pode “navegar a cairo largo”, isto é, com as escotas folgadas. Alfim e ao cabo, cairo é muito usado para cordas, amarras, cabos, por causa de sua resistência e elasticidade. Parece que é feito com os filamentos extraídos do invólucro da noz do coco. Parece, também, que o philosopho faturou 277 palavrinhas para começar o dia.

Desenturmado
O verbo enturmar é brasileirismo. Significa fazer participar ou participar de uma turma, um grupo de amigos; juntar, agregar (alguém ou a si mesmo) a (um grupo). Também brasileirismos são os adjetivos enturmado e desenturmado. No turfe, desenturmado é o cavalo inferior aos outros num determinado páreo. O cavalheiro que se muda de cidade também sofre do problema. Chega desenturmado e demora a se enturmar. Quando volta à última cidade também fica desenturmado: a maioria de sua turma se foi desta para a pior, sobretudo quando o mudadiço tem mais que 60 aninhos. E dizer que o adjetivo mudadiço entrou em nosso idioma no século 14, antes dos ônibus, dos trens, dos aviões, dos automóveis.

O mundo é uma bola
24 de fevereiro: morre dom José, rei de Portugal, subindo ao trono sua filha Maria, que não era boa da cabeça, mãe de dom João VI, pai do nosso Pedro I e avô do nosso Pedro II. Quando as coisas melhoraram com um imperador culto, honesto e democrata, os republicanos concluíram que não servia para o Brasil, ensejando o aparecimento de Collor, Lula e da senhora que aí está prometendo a Copa das Copas. Em 1989, o aiatolá Khomeini oferece US$ 3 milhões de recompensa pela morte de Salman Rushdie, autor de Os versos satânicos. Rushdie nasceu em Mumbai, na Índia, estudou na Inglaterra, formou-se “com louvor” no King’s College, Universidade de Cambridge, e vai muito bem, obrigado. Hoje é o Dia da Conquista do Voto Feminino.

Ruminanças
“Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa” (Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, 1895-1971).

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