O GLOBO - 23/02/2014
Quem
utiliza a violência para corrigir injustiças sociais ou fazer valer
direitos bebe na fonte do totalitarismo e deve arcar com as
consequências de seus atos
Passado o primeiro
impacto causado pelo absurdo assassinato do cinegrafista da TV
Bandeirantes Santiago Andrade, em pleno exercício da profissão, começam a
surgir aqueles que consideram compreensível, senão justificável, o uso
de violência em manifestações. Trata-se de um raciocínio que constrange
todos os democratas. E que deve ser repudiado.
Muitos deles afirmam, com variações, em jornais, blogs e redes sociais, que o assassinato era uma tragédia anunciada, um enunciado do qual não se pode discordar. Mas não, como era de se esperar, porque manifestações violentas põem a vida das pessoas em risco. E sim, afirmam, porque a violência e suas consequências seriam inevitáveis numa nação em que os problemas de seus cidadãos não são resolvidos.
Criticam acidamente os que põem nos black blocs a culpa da eclosão da violência nas manifestações, apelando para a origem internacional do fenômeno, que se traduziria, não pela formação de grupos organizados, mas por uma atitude: para acabar com o capitalismo, destroem bens públicos e de corporações, com o objetivo de chamar a atenção, mas sem a intenção de ferir ou matar alguém (os assassinos do cinegrafista não se definem como black blocs). Só se esquecem de mencionar que em todas as democracias, quando eles agem assim, atingindo ou não pessoas, são presos, responsabilizados, julgados e punidos.
Aqui, dizem, seria diferente, e haveríamos de ter um maior grau de tolerância com a violência, porque viveríamos uma democracia capenga. Parecem querer dizer que, para aqueles que acreditam que alguns de seus direitos lhes foram negados, não basta o grito, o protesto: a violência se faz necessária. E, na visão deles, é bom que seja assim, porque isso acelerará as transformações necessárias para se chegar a um país melhor. Esse raciocínio, porém, é de um extremo equívoco.
Presidente, parlamentares, governadores e prefeitos foram todos legitimamente eleitos pela escolha livre popular. Temos Três Poderes harmônicos e independentes, num sistema de pesos e contrapesos, em que um controla os potenciais excessos dos outros. Temos uma imprensa absolutamente livre, que, com apoio do nosso sistema jurídico, calcado na Constituição, rechaça ambições autoritárias vindas de minorias. Desde 1994, os investimentos sociais cresceram de forma exponencial, principalmente na última década, como é notório. E, numa prova cabal de que no Brasil ninguém está acima de ninguém, hoje estão na cadeia altos próceres do partido que está no governo desde 2003, pagando por seus crimes de corrupção, sem que este mesmo governo tenha feito outra coisa senão cumprir a lei.
É evidente que há desafios enormes. A corrupção é uma calamidade, a desigualdade social ainda é lamentável, direitos básicos como educação, saúde, transporte e habitação deixam muito a desejar, e quem sofre mais é o pobre. Talvez seja por isso que digam que a democracia brasileira é capenga, mas até nisso estão equivocados. A democracia não é sinônimo de sociedade mais justa socialmente. A democracia é o único meio para se alcançar uma sociedade mais justa. E num país ainda pobre como o nosso não se chega a uma sociedade menos desigual do dia para a noite.
É saudável e legítimo que o povo, organizado ou não, saia às ruas para cobrar os seus direitos. É assim em toda democracia do mundo. Mas ninguém, numa democracia, pode querer alcançar esses direitos pela violência. Quem utiliza a violência como método para corrigir injustiças sociais ou fazer valer direitos se põe fora da democracia, bebe na fonte do totalitarismo e deve arcar com as consequências de seus atos.
A democracia não é um projeto suicida. Não pode ser. Ela não pode aceitar que façam parte do jogo democrático aqueles que querem acabar com ela. Por essa razão, todos aqueles que são de algum modo complacentes com a violência como método político, e se dizem democratas, mesmo sem intenção, enfraquecem a democracia em vez de robustecê-la. Numa democracia estabelecida como a nossa, não há espaço para um pensamento assim.
O povo brasileiro tem lutado por seus direitos com as únicas armas legítimas de que dispõe: a voz, as manifestações e, a mais poderosa delas, o voto. Sair desse terreno é se atirar no abismo: revoluções pela força, mesmo aquelas feitas em nome e para o bem do povo, costumam resultar em tirania. O povo brasileiro não precisa de vanguardas anacrônicas (um paradoxo a que estamos assistindo), que acreditam que só elas sabem onde o bem está e são as únicas capazes de conduzir o país até ele.
Os nossos problemas sociais são muitos. Mas não foram eles que levaram Santiago de Andrade à morte. Isso é um desrespeito a ele, à sua família e aos seus colegas de profissão. Ele foi morto pela ação de Fábio Raposo e Caio de Souza, réus confessos. E por aqueles que os aliciaram, os financiaram e os armaram. A democracia brasileira exige que essa cadeia de comando seja esclarecida e seus responsáveis, punidos. Sejam eles quem for, tenham o colorido político que tiverem, sejam criminosos comuns ou idealistas irracionais ou inconsequentes ou ignorantes.
Muitos deles afirmam, com variações, em jornais, blogs e redes sociais, que o assassinato era uma tragédia anunciada, um enunciado do qual não se pode discordar. Mas não, como era de se esperar, porque manifestações violentas põem a vida das pessoas em risco. E sim, afirmam, porque a violência e suas consequências seriam inevitáveis numa nação em que os problemas de seus cidadãos não são resolvidos.
Criticam acidamente os que põem nos black blocs a culpa da eclosão da violência nas manifestações, apelando para a origem internacional do fenômeno, que se traduziria, não pela formação de grupos organizados, mas por uma atitude: para acabar com o capitalismo, destroem bens públicos e de corporações, com o objetivo de chamar a atenção, mas sem a intenção de ferir ou matar alguém (os assassinos do cinegrafista não se definem como black blocs). Só se esquecem de mencionar que em todas as democracias, quando eles agem assim, atingindo ou não pessoas, são presos, responsabilizados, julgados e punidos.
Aqui, dizem, seria diferente, e haveríamos de ter um maior grau de tolerância com a violência, porque viveríamos uma democracia capenga. Parecem querer dizer que, para aqueles que acreditam que alguns de seus direitos lhes foram negados, não basta o grito, o protesto: a violência se faz necessária. E, na visão deles, é bom que seja assim, porque isso acelerará as transformações necessárias para se chegar a um país melhor. Esse raciocínio, porém, é de um extremo equívoco.
Presidente, parlamentares, governadores e prefeitos foram todos legitimamente eleitos pela escolha livre popular. Temos Três Poderes harmônicos e independentes, num sistema de pesos e contrapesos, em que um controla os potenciais excessos dos outros. Temos uma imprensa absolutamente livre, que, com apoio do nosso sistema jurídico, calcado na Constituição, rechaça ambições autoritárias vindas de minorias. Desde 1994, os investimentos sociais cresceram de forma exponencial, principalmente na última década, como é notório. E, numa prova cabal de que no Brasil ninguém está acima de ninguém, hoje estão na cadeia altos próceres do partido que está no governo desde 2003, pagando por seus crimes de corrupção, sem que este mesmo governo tenha feito outra coisa senão cumprir a lei.
É evidente que há desafios enormes. A corrupção é uma calamidade, a desigualdade social ainda é lamentável, direitos básicos como educação, saúde, transporte e habitação deixam muito a desejar, e quem sofre mais é o pobre. Talvez seja por isso que digam que a democracia brasileira é capenga, mas até nisso estão equivocados. A democracia não é sinônimo de sociedade mais justa socialmente. A democracia é o único meio para se alcançar uma sociedade mais justa. E num país ainda pobre como o nosso não se chega a uma sociedade menos desigual do dia para a noite.
É saudável e legítimo que o povo, organizado ou não, saia às ruas para cobrar os seus direitos. É assim em toda democracia do mundo. Mas ninguém, numa democracia, pode querer alcançar esses direitos pela violência. Quem utiliza a violência como método para corrigir injustiças sociais ou fazer valer direitos se põe fora da democracia, bebe na fonte do totalitarismo e deve arcar com as consequências de seus atos.
A democracia não é um projeto suicida. Não pode ser. Ela não pode aceitar que façam parte do jogo democrático aqueles que querem acabar com ela. Por essa razão, todos aqueles que são de algum modo complacentes com a violência como método político, e se dizem democratas, mesmo sem intenção, enfraquecem a democracia em vez de robustecê-la. Numa democracia estabelecida como a nossa, não há espaço para um pensamento assim.
O povo brasileiro tem lutado por seus direitos com as únicas armas legítimas de que dispõe: a voz, as manifestações e, a mais poderosa delas, o voto. Sair desse terreno é se atirar no abismo: revoluções pela força, mesmo aquelas feitas em nome e para o bem do povo, costumam resultar em tirania. O povo brasileiro não precisa de vanguardas anacrônicas (um paradoxo a que estamos assistindo), que acreditam que só elas sabem onde o bem está e são as únicas capazes de conduzir o país até ele.
Os nossos problemas sociais são muitos. Mas não foram eles que levaram Santiago de Andrade à morte. Isso é um desrespeito a ele, à sua família e aos seus colegas de profissão. Ele foi morto pela ação de Fábio Raposo e Caio de Souza, réus confessos. E por aqueles que os aliciaram, os financiaram e os armaram. A democracia brasileira exige que essa cadeia de comando seja esclarecida e seus responsáveis, punidos. Sejam eles quem for, tenham o colorido político que tiverem, sejam criminosos comuns ou idealistas irracionais ou inconsequentes ou ignorantes.
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