Parte do empresariado parece acreditar que só haja ideologia à esquerda
Acompanhando o descontentamento de grandes empresários com o governo
Dilma, veio-me a hipótese de que nossa política segue hoje duas lógicas
totalmente diferentes, quase opostas, a da economia e a das políticas
sociais. As últimas vão bem. Os dois governos petistas fizeram um bom
trabalho no setor social. Mas reside na economia o descontentamento
empresarial, com uma vasta lista de queixas, bem conhecidas dos leitores
do Valor. Como quem apoia o governo destaca as conquistas sociais, e
seus críticos realçam as falhas na economia, fica um diálogo de surdos,
melhor dizendo, um não diálogo. Para ter o quadro completo, é preciso
ver os dois lados.
Leio jornais, blogs, rede social. Quem defende Dilma fala dos avanços sociais obtidos desde o governo Lula. Afinal, o Bolsa Família é referência mundial. O ProUni nunca despertou queixas na oposição, até porque sua concepção é liberal: as vagas são em instituições de ensino privadas. O Mais Médicos é a bola da vez, mas os ataques a ele são basicamente ideológicos. No fundo, fora a questão política dos que se opõem a médicos cubanos devido ao regime castrista, não há muito a criticar num programa que dá atendimento a milhões de brasileiros que antes não o tinham, nem teriam, dada a recusa dos nossos médicos a irem para suas regiões, mesmo bem pagos. Para quem quiser se aprofundar, recomendo o artigo de Malu Delgado na revista "Piauí" de fevereiro.
Já quem ataca Dilma menciona o frágil desempenho da economia e o atribui a um preconceito contra a economia de mercado, a um amadorismo e, ainda, a um preenchimento de cargos por indicações políticas.
Leio jornais, blogs, rede social. Quem defende Dilma fala dos avanços sociais obtidos desde o governo Lula. Afinal, o Bolsa Família é referência mundial. O ProUni nunca despertou queixas na oposição, até porque sua concepção é liberal: as vagas são em instituições de ensino privadas. O Mais Médicos é a bola da vez, mas os ataques a ele são basicamente ideológicos. No fundo, fora a questão política dos que se opõem a médicos cubanos devido ao regime castrista, não há muito a criticar num programa que dá atendimento a milhões de brasileiros que antes não o tinham, nem teriam, dada a recusa dos nossos médicos a irem para suas regiões, mesmo bem pagos. Para quem quiser se aprofundar, recomendo o artigo de Malu Delgado na revista "Piauí" de fevereiro.
Já quem ataca Dilma menciona o frágil desempenho da economia e o atribui a um preconceito contra a economia de mercado, a um amadorismo e, ainda, a um preenchimento de cargos por indicações políticas.
Difunde-se a crença
de que só há ideologia
à esquerda
São dois discursos não só diferentes, mas opostos. É claro que eles precisam conversar entre si! Sem um bom desempenho na economia, não haverá distribuição de renda que aguente. Programas sociais não existirão sem aumentos de produtividade, ambiente favorável aos negócios e uma formação de mão de obra que a torne competitiva. Pior ainda: sem esse crescimento econômico em bases sólidas, a única forma de fazer política social será pelo "populismo", que poderíamos resumir como a arte de matar a galinha dos ovos de ouro. Em vez de distribuir os ovos, você come a galinha. Em vez de distribuir os ganhos, você gasta o principal. É claro que uma estratégia - na verdade, uma tática - dessas não é sustentável. Não tem futuro.
Esse me parece ser um receio presente nos que desconfiam de Dilma, o que não quer dizer que sejam antipetistas. Podem não ter amor pelo PT mas, visivelmente, os empresários parecem preferir Lula a qualquer nome de qualquer partido. É uma escolha pragmática, sendo essa palavra - "pragmatismo" - um grande elogio na voz dos empresários. ("Ideologia", ao contrário, causa-lhes desconfiança, mas é curioso que a maior parte deles pareça acreditar que só haja ideologia à esquerda - não atentando para a presença cada vez maior da ideologia de direita em nossa sociedade, indo do preconceito antigay até a maior parte das críticas ao programa dos médicos).
O outro lado da questão é que, se não mantiver e mesmo expandir a inclusão social, o País entrará em crise política séria. Quando se abrem as comportas da mobilidade social, não há como fechá-las. O governo do PT foi inteligente em alçar a inclusão social, que obviamente tinha começado antes, com outros presidentes, a uma política de Estado, que se tornou irreversível.
Outro partido poderia ter feito o mesmo, mas não tão bem, por não ter o apoio popular que o PT construiu. Seria mais uma dádiva do que uma conquista. Mas, em que pesem alguns titubeios, de ensaio em erro o governo construiu programas que funcionam.
Tradicionalmente, onde o Estado brasileiro funcionava pior era nas áreas sociais, terreno fértil para o paternalismo, o clientelismo, a corrupção. Hoje, com um sistema informatizado de acesso aos benefícios, as coisas andam melhor do que no tempo das cestas básicas atribuídas por indicação de prefeito ou deputado. Daí, melhores efeitos. Mas a relevância desses dois aspectos - o caráter irreversível das demandas de inclusão social e os ganhos de eficiência nos programas desta área - não me parece ser devidamente percebida pelos que criticam o desempenho do governo na economia. Só que fazem parte essencial da realidade.
Isso significa que qualquer política para a economia - que deverá incluir uma aposta firme na competitividade e em ganhos de produtividade - precisará respeitar as conquistas sociais e mesmo ampliá-las. O que torna difícil, por exemplo, a flexibilização das leis trabalhistas. Mas a educação, como tenho insistido, pode ser o ponto de encontro dos dois discursos.
O diálogo de surdos prevalece quando um lado ignora o outro. Felizmente, o Brasil não segue a trilha da Venezuela, a começar pela disposição de nossos líderes políticos a negociar, em vez de confrontar. Um país não funciona direito se está rachado e a oposição não considera legítimo o governo. Mas a inclusão social pode parar, sim. Pode parar se a produção não aumentar, se o Brasil não seguir - em parte - a agenda empresarial. E pode parar se, para adotar a agenda empresarial "in totum", direitos sociais forem revogados ou recuar o processo de ascensão social dos mais pobres.
Em suma, politicamente não há como reverter ou sequer deter a inclusão. Mas para isso a economia precisará ir melhor. Não é impossível, mas é complexo. Dilma, favorita nas eleições, dará conta disso este ano ou num eventual segundo mandato? Se não der, encerrará o período do PT na Presidência, assim como em 2002 parou o projeto de hegemonia tucana. Se conseguir, beneficiará a todos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo
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