Tereza Cruvinel - Lula e Dilma
Lula não está picado pela mosca vermelha
do retorno ao Planalto. Fará tudo para reeleger Dilma, mas acha mesmo
que ela precisa mudar
Estado de Minas: 25/02/2014
Numa escala ontem
em Manaus, a caminho de Cuba, o ex-presidente Lula chegou a pensar em
divulgar uma nota negando que venha criticando o estilo da presidente
Dilma Rousseff em conversas com os que o procuram para reclamar dela e
do governo. Desistiu, acreditando que isso poria mais lenha num ambiente
político-econômico que de fato o preocupa. Eles não vão se encontrar
amanhã. Ele retorna na quinta-feira, um dia depois dela, mas vai se
recolher durante o carnaval em algum lugar sossegado. Qualquer conversa,
só no começo de março.
Na relação pessoal, não há estremecimento
com a sucessora, que ele continua chamando de Dilminha, mas ele está
mesmo angustiado com o rumo que as coisas vão tomando, na relação com os
atores políticos e com os agentes econômicos, que, há meses, todos
sabem, o procuram para se queixar. E, se houver brecha na conversa, para
fazer alguma insinuação na linha “volta, Lula”. Em algum momento, disse
ele na viagem, pode ter concordado com algum interlocutor, mas nunca se
permitiu “ficar falando mal” de Dilma. Ela mesma, porém, admitiu que já
não “tocam de ouvido”, plenamente afinados, como em outros tempos. Em
Bruxelas, primeiro ela culpou os jornalistas: “Vocês podem tentar, de
todas as formas, criar qualquer conflito, barulho ou ruído entre mim e o
presidente Lula, mas não vão conseguir”. Mas emendou: “Eu e o
presidente Lula não temos divergências, a não ser as normais”. Resta
saber quais são, para ele e para ela.
As notícias sobre a
suposta insatisfação de Lula com Dilma pipocaram na imprensa ontem, tal
como na coluna de Luiz Carlos Azedo, no EM, e em reportagem na Folha de
S.Paulo. Segundo auxiliares do ex-presidente, algumas posições ou
comentários atribuídos a ele são corretos, mas outras não correspondem
exatamente ao que ele tem dito. Podem ter sido distorcidas por
interessados na versão. Não estaria ele, por exemplo, advogando mudanças
na política econômica, que vem a ser uma continuidade da que foi
implantada por ele, ao afastar-se da diretriz restritiva do governo
anterior e apostar no crescimento impulsionado pelo consumo, na criação
de um mercado de massas alavancado pelas políticas sociais
compensatórias, os aumentos do salário mínimo e o choque na oferta de
crédito, especialmente para as camadas que começaram a ter a renda
ampliada.
Na sexta-feira passada, ele teve uma conversa de uma
hora com Guido Mantega, que ele disse, durante o voo, nunca ter
classificado como ministro da Fazenda “com prazo de validade vencido”.
Ele pode até achar, diz o interlocutor, que Mantega se desgastou, mas
não que esteja conduzindo uma política econômica equivocada. Foi com ele
na Fazenda que seu governo alcançou as maiores taxas de crescimento,
depois da inflexão desenvolvimentista após a saída de Palocci. Os
ajustes que defende, e teria discutido fraternalmente com Mantega, são
na forma de fazer o bolo, não na receita. E isso vale tanto para a
economia como para a política: as decisões precisariam ser mais
compartilhadas com os atores envolvidos, coisa em que ele é mestre,
criando sempre a impressão de que as medidas foram negociadas, mesmo
quando não foram. Mas Dilma, e não Mantega, é que precisaria mudar.
Neste
momento, a maior preocupação dele é com a deterioração crescente e
clara do arranjo político que propiciou suas duas eleições e a dela em
2010. Especialmente a relação com o PMDB, que, segundo ele recomendou no
ano passado, não poderia “trincar”. Parece que trincou, já havendo em
seu redor quem ache que a aliança, desse jeito, não está valendo a pena.
Trincou porque o partido adotou postura mais conflitiva a partir da
eleição de Eduardo Cunha para líder na Câmara, e porque o Planalto, de
sua parte, errou na administração da nova situação. Quando o maior
partido aliado chama outros oito para formarem um bloco “nem, nem” – nem
governo nem oposição, vai depender de como formos tratados – a
trincadura realmente é funda. O interlocutor diz nunca tê-lo ouvido
recomendar a criação de um “núcleo duro”, mas é certo que ele sugeriu a
Dilma reunir com mais frequência, como ele fazia, o chamado conselho
político do governo, composto por presidentes e líderes de todos os
partidos aliados. Ela só fez isso uma vez.
Embora preocupado,
Lula não está picado pela mosca vermelha do retorno. Primeiro, como diz
outro nome de seu núcleo duro atual, porque Dilma tem todo o direito à
recandidatura. Depois, se decidisse rifá-la para se tornar candidato,
estaria dizendo ao país que errou ao indicá-la como sucessora em 2010.
Ele fará, a partir de agora, movimentos mais fortes em defesa do governo
dela, e mergulhará na campanha da reeleição. Mas pedirá mesmo que ela
faça a parte dela, mudando no que precisa mudar. Outro interlocutor
disse ter ouvido dele: “Já falei com a Dilma, mas ela é muito teimosa”.
Teimosia é algo que resume bem os traços que incomodam em Dilma:
centralismo, autossuficiência, voluntarismo. Se mudar já é difícil
depois de certa idade, imagine-se depois de galgada tão alta posição.
Os pesos do STF
Quando
o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa,
determinou a prisão dos primeiros condenados do mensalão, negou a
possibilidade de cumprirem pena nos próprios estados em que residiam,
Minas Gerais e São Paulo. Foram todos removidos para Brasília, naquele
avião meio sinistro da Polícia Federal. A assessoria dele explicou, na
época, que um condenado pelo Supremo tem que pelo menos começar a
cumprir pena na capital federal. Não foi o que aconteceu com Roberto
Jefferson, ontem recolhido a um presídio do Rio. Faz parte dos pesos
distintos da execução penal. Jefferson pode dizer que cumpriu seu
desígnio. Quando estourou o escândalo nos Correios, em 2005, com
Maurício Marinho dizendo que pedia propina em seu nome, ele declarou, no
Conselho de Ética: “Se eu for para o banco dos réus, levo muita gente
comigo”.
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