quarta-feira, 26 de março de 2014

BRUXAS, VEDETES E AREIA MOVEDIÇA - Artur Xexéo

O Globo 26/03/2014

‘Além do horizonte’ recuperou
para a ficção um dos maiores
perigos da Humanidade:
a areia movediça

Você já deve saber disso. O
assunto rendeu até a capa
da última “Revista da TV”.
Hermes, um dos vilões de
“Além do horizonte”, vai
morrer nesta semana. Foi o
jeito que os autores Carlos
Gregório e Marcos Bernstein
encontraram para liberar o ator Alexandre
Nero a tempo de ele se preparar para protagonizar
a próxima novela de Aguinaldo Silva. A
morte propriamente dita acontece no capítulo
de sexta-feira, mas começa de forma apoteótica
já no episódio de amanhã: Hermes é tragado
pela areia movediça.

“Além do horizonte” é uma obra controvertida.
Seus autores ousaram mexer em cânones
da novela das sete. Apostaram em aventura,
ação, violência e ficção científica num horário
tradicionalmente ocupado por comédias
românticas. Por mim, eles já estão consagrados
só por recuperar para a ficção um dos maiores
perigos da Humanidade: a areia movediça.
A areia movediça recebeu uma rápida homenagem
em 2008 quando Indiana Jones viveu
sua quarta aventura nas telas de cinema,
“Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”.
Mas não foi o bastante para reviver o medo
que ela provocava na minha geração. Ela parecia
abandonada de vez nos filmes de Tarzan,
Jim das Selvas ou qualquer outro dos anos
1950 ambientado em matas virgens. Agora,
sim. Como obstáculo para o mal na novela das
sete, a areia movediça tem tudo para voltar a
assustar crianças no século XXI.

Era um elemento tão presente na ficção cinematográfica
de meio século atrás que a gente
aprendeu até a se livrar dela. Não sei como
Hermes vai afundar na novela, mas se ele tivesse
visto os filmes que eu vi certamente saberia
escapar. Ao cair na areia movediça, a vítima
não deve se debater. Isso só fará com que ela
afunde mais. Ela precisa boiar e esperar ajuda.
Sei que há outras pessoas assombradas pela
areia movediça e que sempre se perguntam por
que ela foi abandonada pela ficção. João Bosco, o
cantor e compositor, é uma delas. No entanto,
nunca se dignou a compor em sua homenagem.
A areia movediça, enfim, voltou a existir pelas
mãos de Carlos Gregório e Marcos Bernstein. Só
por isso “Além do horizonte” já disse a que veio.
______

Tentando me lembrar da primeira vez em que
assisti a um espetáculo teatral, já disse aqui que este
teria sido “Maroquinhas Fru Fru”, no Teatro Tablado.
Mais recentemente, na época da morte de
Virginia Lane, cravei em “Coelhinho Teco-Teco”,
que a vedete do Brasil estrelava em matinês do Teatro
Follies. Agora, ao ler a notícia da nova estreia
do Tablado, tenho absoluta certeza: foi “A bruxinha
que era boa”. A peça de Maria Clara Machado
estava guardada nas tênues lembranças da minha
infância em Piquete. Não, Piquete não tinha atividade
teatral. De vez em quando, muito de vez em
quando, uma companhia mambembe passava
por ali e se apresentava no palco apertado do cinema
do cassino dos oficiais. Era tão mambembe
que dava para reconhecer no cenário parte da mobília
de casa. Não, “A bruxinha que era boa” não
esteve em cartaz em Piquete, mas na cidade próxima
mais desenvolvida, Lorena. Foi produção de
um grupo amador do qual fazia parte a Neusa,
uma prima que morava com a gente. Leio agora
que “A bruxinha que era boa” foi escrita por Maria
Clara Machado em 1958, mais ou menos a
mesma época dessa montagem amadora em
Lorena. Como é que chegou lá tão rapidamente?
Lembro-me também de, enfim, ter revisto a
peça numa montagem da TV Tupi, talvez no
“Teatrinho Trol”, também mais ou menos na
época, e fico de novo intrigado. Como é que
chegou tão rapidamente à televisão? Passado
tanto tempo, o que me intriga agora é perceber
como a peça foi pouco montada (depois da estreia
em 1958, o Tablado a remontou em 1999 e
só) e por que uma adaptação ainda não chegou
aos cinemas? Para entrar no gênero da moda,
por que ainda não virou um musical?


A boa notícia é que “A bruxinha que era boa”
está de novo em cartaz no Tablado. A direção é
de Cacá Mourthé, e o elenco é formado por Diana
Herzog, Clarice Sauma, Manuela Llerena,
Lilia Wodraschka, Carol Repetto, Joana Castro,
João Sant’anna, Ricardo Monteiro e Tom Karabachian.
É uma tarefa e tanto para um grupo
de novatos interpretar papéis que já foram de
Barbara Heliodora, Yan Michalski (na primeira
montagem), Guida Vianna, Débora Lamm e
Luís Carlos Tourinho (na segunda). “A bruxinha”
está em cena aos sábados e domingos às
17h. Eu vou ver de novo. Numa época em que
se discute todo tipo de inclusão, é mais do que
adequado prestar atenção em bruxas boas.
______
Os personagens já morreram. Talvez, por isso
mesmo, a lenda permaneça viva. Dizem
que, quando estourou como cantora de bossa
nova, Norma Bengell, até então apenas uma
vedete dos shows na boate Fred’s produzidos
por Carlos Machado, deu um ultimato ao chefe:
“A partir de agora, só canto vestida.” Machado
teria respondido de forma curta e grossa:
“Vestida, prefiro a Maysa.” Norma Bengell continuou
cantando no Fred’s.

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