sexta-feira, 21 de março de 2014

Cientistas identificam proteína que aumenta imunidade contra HIV

Anticorpo aumenta imunidade contra HIV 
 
Cientistas identificam proteína que faz com que as células de defesa do corpo neutralizem mais estruturas infectadas pelo vírus da Aids. A IgG3 poderá ser usada em vacinas eficazes 
 
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 21/03/2014


Até hoje, apenas um ensaio de vacina em humanos contra o HIV, nomeado RV144, foi capaz de demonstrar algum grau de eficácia. Também conhecido como o ensaio tailandês, esse experimento combinou dois imunizantes que falharam por conta própria. A vacinação na Tailândia se deu ao longo de 24 semanas, em 2003. Em seguida, foram testados os níveis de infecção para o HIV até julho de 2006. O relatório inicial mostra que a taxa de infecção pelo vírus entre os voluntários que receberam a vacina experimental foi 31% menor do que a taxa em voluntários que receberam o placebo. O dado animou médicos e infectologistas do mundo todo, que começaram a buscar explicações para o fenômeno. Agora, dois grupos de pesquisadores norte-americanos relatam ter chegado a uma resposta inédita que pode ajudar no desenvolvimento de uma imunização eficaz e de longa duração contra o patógeno causador da Aids.

A chave, detalhada em dois estudos divulgados na revista Science, está na comparação dos resultados alcançados na Tailândia com um ensaio clínico anterior, chamado VAX003, que falhou em mostrar qualquer eficácia, apesar dos níveis mais elevados do que o RV144 de outros tipos de anticorpos específicos para o HIV. A equipe da pesquisadora Nicole Yates, do Instituto de Duke de Vacinas Humanas, descobriu que, entre o mix de respostas de anticorpos, apenas um se destacou. Os indivíduos que receberam a vacina tailandesa protetora eram mais propensos a ter a proteína IgG3 específica para o HIV em comparação aos indivíduos dos testes da vacina que falhou completamente. A IgG3 é uma imunoglobina conhecida por proteger contra a malária e outras doenças infecciosas.

As duas estratégias a que os pesquisadores tiveram acesso – a RV144 e a VAX003 – estavam voltadas à mesma região do vírus, conhecida como proteína do envelope do HIV. Trata-se da membrana que envolve o patógeno. Eles se perguntaram a razão da existência de diferença na resposta imunitária das vacinas. Como era possível detectar quais foram os anticorpos produzidos por ambas as tentativas, a primeira hipótese analisada foi a dosagem dos subtipos de imunoglobina G (IgG). Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, Edécio Cunha Neto explica que esse é o principal anticorpo do sangue humano, e os subtipos dele se especializam em determinadas funções de proteção.

A IgG3, por exemplo, facilita a fagocitose e a livre destruição por complemento – dois processos sabidamente importantes para a destruição do HIV. Na fagocitose, a célula “engole” outro micro-organismo ou uma célula menor. Quando a IgG3 potencializa esse processo, faz com que as estruturas infectadas sejam engolidas e, portanto, neutralizadas. A importância de todo esse processo do sistema de defesa não é uma novidade na medicina. O fator que chama a atenção é como ele parece ser imprescindível para a proteção contra o HIV. “Até agora, ninguém sabia por que a vacina RV144 foi melhor que a VAX003. Existem diversas possibilidades e eles foram testando hipóteses.”

Para Cunha Neto, um dos líderes do estudo que desenvolve a vacina brasileira contra o HIV, ambos os estudos publicados hoje fazem pergunta científica semelhante e dosam a mesma substância no soro de pessoas que foram vacinadas com os dois imunizantes. A diferença entre os trabalhos está em pequenas variações na forma como avaliam a função da proteína IgG3 e em como ele está relacionado com uma resposta mais protetora – a partir de testes in vitro.

Segundo o infectologista Esper Kallas, depois da divulgação dos resultados dos ensaios RV144 e VAX003, vários pesquisadores fizeram buscas nos chamados “marcadores de proteção”, identificando alguns deles. Acredita-se que os anticorpos induzidos parecem ter sido capazes de conferir alguma proteção, uma vez que ambos os estudos apontam que anticorpos dirigidos contra uma parte do envelope do vírus estão associados com proteção. “Agora, fica a pergunta de quais são as repercussões de tais achados. Será que podemos aprimorar uma vacina que, mais especificamente, induza resposta contra essa porção específica do vírus? Se conseguirmos, tal vacina será eficaz?”. Kallas acrescenta que os trabalhos são resultado do esforço para entender o porquê do sucesso marginal da vacina que foi testada na Tailândia. “Será importante acompanhar a evolução desses achados, especialmente nos futuros estudos que devem começar em breve.”

Palavra de especialista
Alexandre Cunha,
diretor da Sociedade rasileira de Infectologia
Um novo caminho 
“Sempre que há uma des-coberta em ciência básica, que estuda as moléculas, inclusive em macacos e ratos, elas não se correlacionam diretamente com o efeito clínico em humanos. Então, especificamente para vacinas contra o HIV, há muitos anos, várias estratégias e substâncias são investigadas para alcançar uma boa imunização em humanos. Até agora, nenhum dos resultados foi bom, a eficácia é muito baixa. Claro que a descoberta de uma molécula muito promissora dá mais um caminho para novas pesquisas, mas é leviano dizer que ‘agora vai’. É mais uma tentativa que, talvez, se reverta em algo realmente útil, mas, enquanto não tivermos estudos em humanos não podemos afirmar nada.” 

Nenhum comentário:

Postar um comentário