A poesia e os dias
Maria Ester Maciel
Estado de Minas: 25/03/2014
Na sexta-feira, 21 de
março, comemorou-se o Dia Internacional da Poesia. Fui lembrada da data
por uma ex-aluna, que me enviou um poema de Drummond logo de manhã, a
título de celebração. Assim, comecei a sexta com a (ingênua) expectativa
de que aquele seria um dia especial. Mas tão logo abri os jornais, vi
que a data não trazia nenhum tipo de encantamento para o mundo. As
notícias eram puro desencanto. Entre elas, a falta de pistas sobre o
avião da Malaysia Airlines, misteriosamente desaparecido com 239 pessoas
a bordo; o agravamento da crise na Ucrânia; o absurdo dos preços no
Brasil; a libertação dos policiais que arrastaram Claudia Silva
Ferreira, numa viatura, pelas ruas do Rio de Janeiro; a confissão feita
por um coronel reformado do Exército quanto à sua responsabilidade na
ocultação do corpo de Rubens Paiva, cruelmente torturado no período da
ditadura militar. E muitas outras coisas lamentáveis.
O que,
entretanto, me salvou desse dia sem poesia foi o contato com os
surpreendentes poemas do livro O corpo no escuro, de Paulo Nunes,
recém-publicado pela Editora Companhia das Letras. Altamir Fernandes –
professor e historiador de Patos de Minas, que sempre me envia textos e
notícias interessantes por e-mail – sugeriu-me essa leitura,
acrescentando que o Paulo era de Patos e tinha atuado na vida cultural
de nossa terra, tempos atrás. Na mesma hora, encomendei o livro, que só
pude ler na sexta. E, coincidentemente, ao receber o Estado de Minas no
dia seguinte deparei-me com a ótima entrevista feita por Carlos
Herculano Lopes com o referido poeta, o que me deixou ainda mais
entusiasmada. Altamir tinha razão: a chegada da poesia de Paulo Nunes ao
mundo literário brasileiro é algo a ser, mesmo, comemorado pelos seus
conterrâneos. Ele é um poeta e tanto, desses que não aparecem por aí
todos os dias.
Ainda na esteira das revelações poéticas, recebi,
na tarde de domingo, outro e-mail do Altamir. Desta vez com a cópia de
um número antigo do jornal patense Folha Diocesana, em que era noticiado
o acidente de carro que deixara o grande poeta Altino Caixeta de Castro
em estado grave num hospital de Patos, em outubro de 1959. Esclareço
que Altino (o Leão de Formosa) foi mestre de praticamente todos os
poetas de Patos ao longo de várias décadas, até sua morte, ocorrida em
1996. Mas o mais curioso na tal notícia de 1959 é a referência à
situação precária da energia elétrica na cidade da época, o que poderia
comprometer a cirurgia a ser feita no poeta, à noite. Para que sua vida
fosse salva (afinal, ele era “o único menestrel da capital do Alto
Paranaíba”, segundo a matéria do jornal), a prefeitura decidiu cortar –
como prova do apreço dos patenses por ele – a energia de vários pontos
da cidade, incluindo o Centro, de modo a concentrar, ao máximo, a força
elétrica na região onde ficava o hospital. Assim, a operação poderia ser
feita com segurança. Deu certo. Altino não apenas se salvou, como
continuou, mais do que nunca, a se dedicar à poesia.
Um gesto
como esse da cidade patense dos anos 1950 seria impossível no mundo
desencantado de hoje. Mas que a memória desse gesto fique aqui como uma
homenagem aos poetas e à poesia de todos os tempos.
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