Sem medo de mudar
O diretor mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu critica os rumos do cinema comercial e fala de seu novo filme, a comédia Birdman, com Michael Keaton, que estreia no fim do ano
Carolina Braga
Estado de Minas: 22/03/2014
Cartagena de Índias (Colômbia) – Ele mexe muito a sobrancelha. Gesticula o tempo inteiro enquanto fala. Isso sem dizer no quanto faz caras e bocas. Com o cabelo para cima, sorri quando percebe que acertou na graça. É fã de afirmações bombásticas do tipo “a indústria do cinema está fazendo um genocídio cultural”. Se fosse um advogado, se daria muito bem no espetáculo dos tribunais, só pelo empenho com que defende suas ideias. Alejandro Gonzáles Iñarritu bem que pensou em seguir carreira nas leis, mas se deu muito bem com o cinema, passando com êxito pela publicidade e a locução radiofônica.
O diretor mexicano, responsável pelo reconhecimento internacional da produção recente de seu país, é um tipo que se diz avesso a lugares-comuns. É por isso que depois das narrativas fragmentadas de Amores brutos (2000), 21 gramas (2003), Babel (2006) e Biutiful (2010) ele passou pelo Festival Internacional de Cinema de Cartagena, na Colômbia, contando que decidiu mudar. “Cansei-me dos dramas. Não estava mais me divertindo, apenas fazendo um trabalho.” É dessa história, parecida com a de Pedro Almodóvar com Os amantes passageiros, que nasceu Birdman.
Na primeira comédia da carreira, Alejandro Gonzáles Iñarritu também deixa para trás a fragmentação das histórias. É de maneira linear que ele conta o drama de um ator que interpretou um super-herói e precisa redimensionar o ego. “Foi o personagem que mais me divertiu enquanto escrevia o roteiro”, revela. Michael Keaton foi especialmente convidado para o papel. Outro fato inédito na carreira do mexicano é que o longa foi rodado em Nova York, com uma equipe totalmente diferente da habitual. “É uma espécie de reset”, define o cineasta.
O abandono da estrutura narrativa que o caracterizou também se deve a uma certa estafa do formato. “Começou a ser uma coisa que as pessoas exigiam. Havia uma obviedade de que um filme de Iñarritu seria fragmentado”, comenta. O cineasta conta que em um dos festivais em que Amores brutos foi apresentado o projecionista trocou a ordem das latas e ninguém notou. O diretor ficou traumatizado e quando Babel foi selecionado para o Festival de Cannes, cuidou de conversar pessoalmente com o profissional da cabine. “Ele me disse que não havia a menor possibilidade disso acontecer, mas ocorreu novamente. A plateia demorou 10 minutos para perceber que houve um erro, porque era um filme meu”, diverte-se.
Birdman foi rodado de uma maneira linear, em torno de apenas um personagem. O trabalho está finalizado, mas a estratégia do estúdio é lançá-lo no fim do ano, em outubro ou novembro. Alejandro Iñarritu não é tão favorável a essa ideia, inclusive porque em maio tem o Festival de Cannes e não seria nada mal se Birdman começasse a carreira por ali. “São questões que ainda precisam ser vistas”, contemporiza, sem esconder insatisfação.
O diretor que saiu do México para desenvolver carreira em Hollywood anda bem espantado com a forma como as coisas têm funcionado na indústria do cinema. Como conta, as redes sociais ganham a cada dia mais importância nas estratégias de marketing dos estúdios, havendo casos em que pesquisas de opinião são feitas até mesmo antes do início das filmagens. “Cerca de 90% das salas estão ocupadas pelo cinema industrial. É um entretenimento confortável para o público, uma satisfação rápida. O que é produção mais complexa, um pouco diferente, o público não quer. É como um vício”, constata.
Descontando o exagero como Iñarritu apresenta suas ideias, para ele Hollywood está à procura de roteiros sobre gatos mimosos que sabem dançar. “Porque é isso que as pessoas querem”, alfineta. Ele, no entanto, não detalha o quanto procurou ser diferente em Birdman. Concentra-se em dizer como se surpreendeu com Michael Keaton como o protagonista. “Ofereci o papel porque é muito parecido com a vida dele. Fiquei impressionado com a facilidade com que se comportou diante de coisas que nenhum de nós dois tínhamos feito antes. Tem uma quantidade de recursos e uma segurança incrível”, elogia.
Entrega Alejandro Gonzáles Iñarritu é um diretor conhecido por conseguir interpretações memoráveis. Foi depois de Amores brutos, por exemplo, que Gael García Bernal iniciou carreira internacional. Em 21 gramas, Naomi Watts e Benício Del Toro receberam indicações ao Oscar, assim como Adriana Barraza e Rinko Kikuchi em Babel e Javier Bardem em Biutiful. “Cada caso é diferente, porque cada ator é como se fosse um paciente psicológico distinto. O papel do diretor também é passar de psiquiatra a padre, a ditador, inimigo. É bem complexo”, comenta. Iñarritu entende que seus intérpretes trazem consigo seus métodos. O cuidado dele é tentar ser prático.
“Trabalho para que exista um objetivo emocional muito claro para a ação. As possibilidades de alcançá-lo são infinitas. Preocupo-me em ajudá-los a chegar a esse lugar.” O cineasta assume que é um perfeccionista. Fica ligado até mesmo na forma como pegam um copo ou atravessam a rua. Se o ator não consegue naturalidade, repete quantas vezes forem necessárias. “Faço pegar o copo umas 70 vezes”, conta em tom de brincadeira. Tomando a devida distância, Alejandro diz que não trabalharia com ele mesmo.
“Sou uma pessoa que exige o que dá. Entrego-me muito intensamente, porque desfruto muito, sou passional nesse sentido”, revela. Para ele, há uma espécie de contrato tácito. O diretor cobra silêncio no set e concentração absoluta. “Se vai trabalhar comigo tem que ter entrega. Acho que fazer um filme é uma responsabilidade enorme. As pessoas compram ingresso, pagam estacionamento, me dão quatro horas da suas vidas. Levo isso muito a sério”, afirma.
Mano Caetano
Graças ao trânsito do Rio de Janeiro, Alejandro Gonzáles Iñarritu se aproximou de Caetano Veloso. Há cerca de oito meses, os dois dividiram um mesmo táxi para ir a uma festa com Andrucha Waddington. “Ficamos tipo uma hora parados e Caetano me contando sobre tudo o que conhece do México. Ele sabe muito”, elogiou. Segundo o diretor, o que mais surpreendeu o brasileiro foi o fato de a imagem do mexicano na ficção ser muito diferente da realidade. “Diante dele tentei ser um mexicano de personalidade forte”, brincou.
Mineiro premiado
O curta Pouco mais de um mês, dirigido pelo mineiro André Novais, faturou no Festival Internacional de Cartagena o 15º prêmio da carreira, desta vez como escolha especial do júri. “Estava ali tranquilo com a minha namorada e não esperava que fosse ganhar”, comentou o diretor, surpreso, no palco, quando recebeu o troféu Índia Catalina. Entre os longas, o vencedor na categoria ficção foi Tierra en la lengua, do colombiano Rubén Mendoza; na documentário, Marmato, de Mark Grieco, coprodução Colômbia-EUA.
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